"Há uma parte da população que não consegue sequer ouvir falar no nome de Macron"
Em França aproxima-se a segunda volta das eleições e fazem-se contas para tentar perceber quem terá maioria.
Corpo do artigo
A dois dias das eleições em França, há quem dê como certa a vitória de Emmanuel Macron, mas também quem não se identifique com qualquer um dos candidatos e considere, ao mesmo tempo, que os cinco anos de liderança de Emmanuel Macron foram demasiado "desgastantes" e preferem votar em Marine Le Pen, embora simpatizantes de partidos de esquerda.
É o caso de Joaquim Telheiros, que vive em França desde 1963, e está preparado para passar de "um oposto para o outro" e, na segunda volta das presidenciais, conceder o voto à candidata da União Nacional.
"Na semana passada votei [Fabien] Roussel", o candidato do Partido Comunista Francês, "e este domingo vou votar Le Pen", confessa. Mas não é caso único.
Em Paris, no café Le Lieutades, no Bairro de Gentilly, a TSF conversou com portugueses e outros migrantes. Entre eles há quem vá de um extremo ao outro, para não votar Macron, mas também quem considere que Macron esteve à vontade com "dossiês difíceis", e no caso da "Covid-19, não foi assim tão mal gerido como isso", afirma Fernando Monteiro, o proprietário do café.
TSF\audio\2022\04\noticias\22\joao_francisco_guerreiro_macron_vs_le_pen_portugueses_paris
Cristina Semblano, radicada em França há várias décadas, professora de economia na Sorbonne, foi membro da mesa nacional do Bloco de Esquerda, e uma apoiante de Jean Luc Mélenchon da esquerda da "França Insubmissa", admite que no final os eleitores acabem por rejeitar a candidata que classifica como "fascista", embora entenda que Emmanuel Macron deu razões de sobra para que os eleitores não votem nele.
"Há uma parte da população que não consegue sequer ouvir falar no nome de Macron e que não votará Macron", vinca, justificando que em causa estarão "as violências policiais, o racismo, os sindicalistas que tiveram problemas, as pessoas que foram cadastradas e em todas as medidas ditatoriais e totalitárias que foram tomadas".
Cristina Semblano aponta ainda "a perda de poder de compra e a degradação das suas condições de vida", em França, para muitos recusarem atribuir o voto em Macron. "Por outro lado, há uma outra parte da população que prefere engolir isso a ver uma presidente fascista no poder", admite.
Alguns analistas consideram que os eleitores de Jean Luc Mélenchon serão decisivos no próximo domingo. Uma sondagem realizada pelo próprio partido, com 215 mil eleitores da "França Insubmissa", indicou que a maioria de 37,65% votará em branco e uma percentagem de 33,40% dará o seu voto a Macron. Quase um terço, 28,96% optará por não se deslocarem à urna de voto, contribuindo para a abstenção.
O voto em Le Pen não é contemplado. Mas, na consulta aos eleitores de Mélenchon, cerca de 51% preferiram não expressar a sua intenção de voto.
Ao contrário do que fez em 2017, em que não indicou o sentido de voto na segunda volta das eleições, desta vez, o candidato já apelou aos seus eleitores para que nem um único voto da "França Insubmissa" seja canalizado para Marine Le Pen. Mas, Cristina Semblano não dá como garantido que isso seja sinónimo de mais votos para Emmanuel Macron.
"Em França temos três blocos: um bloco, a extrema direita/direita radical. Depois temos aquele bloco a que eu chamaria do extremo centro - para usar a designação do filósofo canadiano Alain Deneault - que está cada vez a colar-se mais à direita e à direita radical. E depois temos a esquerda, representada pelo Jean Luc Mélenchon", exemplifica, para dizer que os 22% alcançados por Mélenchon, não serão automaticamente distribuídos por Macron.
"Penso que não podemos dizer que a população vai [votar em Macron]. Não, a população não vai conseguir votar Emmanuel Macron. A população, que apesar de ser absolutamente antifascista, nunca vai ser uma população de esquerda, da esquerda de emancipação" a garantir a eleição de Macron, afirma, assegurando que "muitos não vão conseguir votar em Emmanuel Macron".
* Notícia corrigida no dia 24 de abril às 14h04