"Início do fim dos combustíveis fósseis." Acordo da COP28 reconhece "urgência da ação"
O documento aprovado no Dubai menciona a transição para o fim de todos os combustíveis fósseis com o objetivo de alcançar a neutralidade carbónica até 2050.
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Os países reunidos na cimeira do clima, no Dubai, aprovaram, esta quarta-feira, "por consenso" uma decisão que apela a uma "transição" no sentido de abandonar os combustíveis fósseis. A secretária de Estado da Energia e do Clima, que nas últimas duas semanas, coordenou os esforços portugueses na COP28, considera que este é um acordo histórico.
"Passadas 28 COP, conseguimos, pela primeira vez, assumir o compromisso de acabar com os combustíveis fósseis e essa foi uma decisão tomada por consenso de 197 países. É uma decisão que reconhece claramente a urgência da ação, que reconhece também que esta é uma década crítica e, portanto, agindo de forma alinhada com a ciência, 197 países comprometeram-se com o início do fim dos combustíveis fósseis e, portanto, é um dia muito importante naquele que é o nosso combate conjunto, à escala global, às alterações climáticas", explica à TSF Ana Fontoura Gouveia.
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A governante relembra que, no último dia da COP, "convém não esquecer o primeiro dia", em que foi conseguido também "um resultado muito importante de finalmente assegurar financiamento e apoio aos países mais vulneráveis aos efeitos das alterações climáticas que já se fazem sentir e, assim, assegurar que têm os meios para combater e para se proteger dos efeitos climatéricos extremos".
A secretária de Estado da Energia e do Clima diz que esta é a década de agir, mas o documento aprovado podia ter ido mais longe na questão do carvão.
"Um texto assinado por 197 países é sempre um compromisso e, por isso, relativamente àquilo que é a produção de eletricidade a partir do carvão gostaríamos de ter visto um texto um pouco mais assertivo, que não permitisse então novas instalações a carvão. Mas este foi o compromisso possível e no balanço global é um compromisso forte, um compromisso equilibrado, que reconhece também as circunstâncias diferenciadas dos diversos países, os seus diferentes pontos de partida, as suas diferentes capacidades para concretizar esse processo de transição energética e, portanto, enquanto acordo é um acordo equilibrado e que certamente nos vai permitir prosseguir este caminho de combate às alterações climáticas, porque o que é muito claro desde o primeiro dia e para todas as partes, é que esta é a década de agirmos", sublinha.
"O fim da era dos combustíveis fósseis." Acordo é "importante", mas tem "falsas soluções"
Também no Dubai, Francisco Ferreira, presidente da associação ambientalista Zero, considera este um acordo positivo, mas com algumas falsas soluções. O dirigente da Zero sublinha que não bastam palavras, é preciso agir.
"Esta decisão de termos uma menção clara a uma transição que, no fundo, é o fim da era dos combustíveis fósseis é muito importante, aliás, se juntarmos o triplicar da potência de energias renováveis entre 2022 e 2030 e a duplicação da eficiência energética há sem dúvida excelentes indicações, mas também é verdade que temos no acordo falsas soluções, muito duvidosas e caras. Há também que ultrapassar as necessidades de financiamento climático para os países em desenvolvimento. Sem dúvida que este é um importante passo em frente, mas a ação é crucial", defende, também em declarações à TSF.
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Francisco Ferreira sublinha que, em matéria de fontes de energia renováveis, Portugal tem um longo caminho a fazer.
"Portugal tem um papel muito importante na liderança das fontes renováveis, mas precisa também de não se distrair com soluções que são duvidosas, como exportarmos hidrogénio, como não sabermos ultrapassar aquilo que são fontes de energia renovável nos locais certos e com a dimensão certa para não irmos contra a natureza e as populações, portanto temos, sem dúvida, um país ambicioso e com metas que têm vindo a ser traçadas e até com resultados já conseguidos, com seis dias praticamente de eletricidade a partir de fontes renováveis. São marcos importantes, mas ainda subsidiamos os combustíveis fósseis e, portanto, temos que diminuir e temos que apostar fortemente em concretizar as nossas próprias metas que passam por, em 2030, pelo menos 47% da nossa energia ser proveniente de fontes renováveis", acrescenta.
Este é o primeiro acordo climático de sempre sobre combustíveis fósseis. O consenso foi alcançado depois de, nesta madrugada, ter sido apresentado pela presidência da COP28, a cargo dos Emirados Árabes Unidos (EAU), um novo documento que menciona a transição para o fim de todos os combustíveis fósseis com o objetivo de alcançar a neutralidade carbónica até 2050.
"Temos a base para fazer acontecer uma mudança transformadora", afirmou o presidente da COP28, Sultan Al Jaber, sublinhando: "Este é um feito histórico e sem precedentes."
"Devemos estar orgulhosos do nosso feito histórico e os Emirados Árabes Unidos, o meu país, está justamente orgulhoso do seu papel na contribuição para este avanço", acrescentou.
A Cimeira do Clima do Dubai (COP28) acordou em iniciar uma transição para o abandono dos combustíveis fósseis, após duas semanas de intensas negociações em que cerca de 200 países debateram a forma de enfrentar coletivamente a crise climática.
Os países representados na COP28 adotaram na quarta-feira o "Global Stocktake", o acordo com o qual pretendem reforçar a ação climática para conter o aumento da temperatura a não mais de um grau e meio acima dos níveis pré-industriais.
O acordo, aprovado por consenso em plenário, apela aos Estados para que iniciem uma transição para longe dos combustíveis fósseis, "de forma ordenada e equitativa, acelerando a ação nesta década crítica, com o objetivo de atingir o objetivo de zero emissões líquidas até 2050, de acordo com a ciência".
Nesta cimeira, a prioridade foi abrir caminho para o abandono deste tipo de energia para a União Europeia e outras economias industrializadas, bem como para os países altamente vulneráveis às alterações climáticas, como é o caso de muitos países em desenvolvimento.
Abrir caminho para o abandono destes tipos de energia foi a prioridade da cimeira - para a União Europeia e outras economias industrializadas, bem como para países altamente vulneráveis às alterações climáticas, como muitos Estados em desenvolvimento.
No entanto, até à sessão plenária, havia incerteza na COP28 sobre se um acordo que marcasse o fim da era dos combustíveis fósseis seria aceite pelos países ricos em petróleo, como a Arábia Saudita.
O primeiro rascunho do texto dos EAU, na segunda-feira, causou polémica porque não apelava para "uma saída" dos combustíveis fósseis, cuja combustão desde o século XIX é largamente responsável pelo atual aumento das temperaturas globais de 1,2 °C em relação à era pré-industrial.
"Estamos a fazer progressos", afirmou John Kerry, o enviado dos Estados Unidos para o clima, na terça-feira à noite, enquanto se dirigia para mais uma ronda de negociações. Estão a ser feitos "bons progressos", concordou o ministro australiano do clima, Chris Bowen.
Cerca de 130 países, incluindo Estados Unidos e Brasil, pediam um texto ambicioso que enviasse um sinal claro para iniciar o declínio dos combustíveis fósseis.
Até à data, apenas a redução do carvão foi acordada na COP26, em Glasgow. O petróleo e o gás nunca foram mencionados.
O projeto de acordo dos EAU inclui o reconhecimento do papel desempenhado pelas "energias de transição", numa alusão ao gás, para garantir a "segurança energética" nos países em desenvolvimento, onde quase 800 milhões de pessoas não têm acesso a eletricidade.
O texto contém uma série de apelos relacionados com a energia: triplicar a capacidade das energias renováveis e duplicar a taxa de melhoria da eficiência energética até 2030, além de acelerar as tecnologias de "carbono zero" e "baixo carbono".
A Arábia Saudita, o Kuwait e o Iraque adotaram uma linha dura, recusando qualquer acordo que atacasse os combustíveis fósseis, que são a fonte de riqueza destes países.
Numa conferência em Doha, na terça-feira, o ministro do petróleo do Kuwait, Saad al-Barrak, denunciou um "ataque agressivo" do Ocidente.