Comissão liderada por antigo juiz queniano encontrou um clima de medo e de abusos
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Abusos sexuais, violência física, gravidezes, abortos, uso de drogas e produção de pornografia infantil estão entre as descobertas de uma comissão independente que investigou as Aldeias SOS espalhadas pelo mundo.
A organização austríaca acolhe mais de 65 mil crianças e apoia perto de 400 mil e, num relatório de 262 páginas agora conhecido, são relatados crimes ocorridos ao longo de décadas, mas também o encobrimento destes e de quem os praticou.
O documento - que pode consultar aqui - relata casos de abusos sexuais de menores ocorridos sobretudo em África, na América Latina e na Ásia, incluindo também raras referências a países europeus. Apesar de também acolher Aldeias SOS, Portugal não surge no relatório.
No documento são descritos abusos de menores, tendo alguns deles resultado em casos de gravidez infantil, e até abortos forçados em meninas sem que as famílias tenham tido conhecimento disso. Há também registo de casos de abuso sexual entre as próprias crianças e jovens acolhidos.
Nos casos em que os responsáveis pelos abusos eram adultos, estes eram muitas vezes doadores importantes da organização: por exemplo, um deles foi recebido numa aldeia SOS no Nepal e lá abusou de rapazes durante vários anos.
Grande parte dos abusadores era, no entanto, composta por altos funcionários da instituição e no Camboja as crianças eram usadas para pornografia, nomeadamente nas redes sociais.
O relatório revela também que a preocupação em esconder os abusos era grande, sendo descritos esforços maiores para evitar processos judiciais do que para proteger as crianças.
Além dos episódios de violência física e sexual, são descritos ambientes sem regras, onde não era raro haver acesso a drogas como álcool e cigarros, mas também heroína.
Muitos dos relatos dos casos surgiram de denúncias e de visitas ao terreno das aldeias SOS e, apesar de o relatório ressalvar que milhares de funcionários fizeram um trabalho excecional, assinala-se que a organização permitiu o desenvolvimento de uma cultura de medo e de abusos que se prolonga até hoje.
A investigação levanta dúvidas sobre a forma de acolhimento de crianças sírias retiradas às famílias à força, e que foram devolvidas, e a delegação russa está suspensa por suspeita de ter recebido crianças ucranianas retiradas ilegalmente do país invadido.
Foram ainda confirmados vários casos de corrupção, fraude ou lavagem de dinheiro e é descrito um ambiente de nepotismo e abuso de poder, sem lideranças, bem como um pagamento insuficiente, por parte da ONG, funcionários e as famílias que acolhiam menores.
A comissão que investigou estes casos foi liderada por um antigo juiz do Quénia e incide principalmente sobre acontecimentos a partir do ano 2000, mas detetou casos das décadas de 1980 e 1990.
Apesar de, nos últimos dois anos, ter vindo a introduzir mudanças na forma de funcionamento das Aldeias SOS, a nova direção da ONG admite que ainda há muito a corrigir.
Centenas de vítimas já tiveram apoio psicológico e foi criado um fundo financeiro para atribuir indemnizações.