José Ramos-Horta considera que Timor-Leste se deve sentir orgulhoso, porque a expulsão é uma resposta à defesa dos direitos humanos.
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A junta militar do Myanmar (antiga Birmânia) ordenou a expulsão do encarregado de negócios de Timor-Leste, em protesto com posições recentes das autoridades timorenses sobre aquele país.
"O Ministério dos Negócios Estrangeiros, em nome do Governo da República da União de Myanmar, pede ao encarregado de negócios da embaixada da República Democrática de Timor-Leste, senhor Avelino Fernandes Ximenes Pereira, para deixar o Myanmar o mais tardar até 1 de setembro", refere-se numa nota da diplomacia daquele país a que a Lusa teve acesso.
Em reação, o Presidente da República timorense, José Ramos-Horta, considera que Timor-Leste se deve sentir orgulhoso, porque a expulsão é uma resposta à defesa dos direitos humanos.
"É uma daquelas situações em que um país deve estar orgulhoso. Orgulhoso por ter a coragem de denunciar as graves violações de direitos humanos, massacres, com bombardeamentos de helicópteros e de aviões da população civil - mulheres e crianças -, orgulhoso porque a nossa posição é também uma posição assumida pela Assembleia Geral da ONU, Conselho de Segurança e ASEAN", afirma o chefe de Estado timorense, que garante que o país "não está sozinho na sua condenação categórica dos crimes graves, crimes contra a humanidade, perpetrados pelo regime ilegal, ilegítimo de Myanmar".
O chefe de Estado vincou que Timor-Leste continua a apoiar a posição da Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) e os esforços da organização para resolver a situação no Myanmar.
Ramos-Horta esclarece ainda, em declarações à TSF, que não vai protestar contra a expulsão do encarregado de negócios, até porque "quem governa o país - mesmo que ilegalmente, mesmo que ilegitimamente -, faz o que entender", independentemente de as embaixadas aceitarem ou não.
"O que não pode fazer, a seu belo prazer, é cometer barbaridades contra os direitos humanos, contra pessoas inocentes - crianças, mulheres, artistas, homens de negócios -, portanto, isso é que é totalmente inaceitável", defende.
O chefe de Estado de Timor-Leste lamenta ainda que o Tribunal Penal Internacional não tenha iniciado, "até agora", "um processo de investigação e de indiciamento do chefe militar e de todos à sua volta em Myanmar".
"Eu tenho alertado o Tribunal Penal Internacional para iniciar o processo de investigação e indiciamento do regime militar. Tenho alertado, falado diretamente com o procurador-geral e não entendo, e não é aceitável, que o procurador-geral continue a não iniciar o processo de investigação, levando ao indiciamento", afirma.
Na nota de duas páginas, a junta militar apontou vários atos cometidos pelas autoridades timorenses, incluindo referências à situação no país pelo Presidente timorense, José Ramos-Horta.
Aludiu ainda a declarações do primeiro-ministro, Xanana Gusmão, que a 3 de agosto disse que Timor-Leste poderia não aderir à ASEAN se o organismo regional for incapaz de encontrar uma solução para o conflito no Myanmar.
"Enquanto for primeiro-ministro não entra na ASEAN se a ASEAN se não convence a junta militar, se não encontrar uma solução. Somos uma democracia. Podemos ter problemas, mas não há golpes de Estado, há respeito pelas eleições presidenciais e parlamentar, mostrando ao mundo que nós temos uma cultura democrática", disse Xanana Gusmão na altura.
Esses comentários levaram o Governo de Myanmar a convocar o encarregado de negócios, para um voto de protesto a 15 de agosto.
"As declarações imprudentes e irresponsáveis do primeiro-ministro não são apenas prejudiciais para a manutenção das relações bilaterais entre Myanmar e Timor-Leste, mas também negligenciam de forma grosseira os contínuos ataques violentos do grupo terrorista chamado de Governo de Unidade Nacional (NUG)", refere-se na nota datada de 25 de agosto.
Nessa mesma nota do Governo de Myanmar enumera-se ainda como motivos para a expulsão do diploma timorense o facto de representantes do NUG terem sido convidados para a tomada de posse do novo Governo e por ter havido reuniões entre José Ramos-Horta e representantes do grupo que se opõe ao golpe militar no país.
Na cimeira da ASEAN em maio, o Presidente indonésio reconheceu, em nome da ASEAN, que não se registaram progressos para acabar com o conflito no Myanmar, renovando numa cimeira da organização regional um apelo ao fim da violência no país.
"Tenho de ser honesto. Não houve progressos significativos na implementação do consenso de cinco pontos", disse Joko Widodo na 42.ª cimeira da ASEAN.
Widodo referia-se a um plano de paz preparado em 2021 pelos dez Estados-membros da organização e a junta militar de Myanmar, que pedia o fim imediato da violência e o diálogo entre as partes em conflito, com mediação de um enviado da ASEAN.
A junta militar rejeitou tomar medidas para cumprir esse acordo, levando a ASEAN a excluir a liderança militar de participar em encontros da organização.
Esta semana, os membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas - com a exceção da China e da Rússia - condenaram a violência e a morte de civis em Myanmar (antiga Birmânia).
A esmagadora maioria dos 15 países com assento no Conselho de Segurança voltou a instar a junta militar a pôr termo aos ataques, a libertar a líder deposta, Aung San Suu Kyi, e a respeitar os direitos humanos.
Nessa declaração conjunta lamentou-se que não se tenham registado "progressos suficientes" na aplicação da primeira resolução do Conselho de Segurança sobre Myanmar, adotada em dezembro.
Recorde-se que em junho, na Coreia do Sul, o ex-secretário-geral da ONU Ban Ki-moon apelou ao Presidente timorense para que exerça pressão, diretamente e através da ASEAN, junto do regime de Myanmar para que aceite a implementação de uma proposta regional de paz.
"Espero que a ASEAN possa fazer uma pressão muito mais forte. As pessoas continuam a sofrer bastante. E peço-lhe, senhor Presidente, que tente também fazer pressão através da ASEAN", disse Ban Ki-moon a José Ramos-Horta.
O pedido foi feito num curto encontro de Ban Ki-moon com José Ramos-Horta à margem da abertura da 18.ª edição do Fórum de Jeju para a Paz e a Prosperidade.
"É uma missão muito difícil para a ASEAN, e sei que se sente frustração em vários países com este assunto", notou Ramos-Horta que, depois da reunião, disse considerar difícil uma intervenção direta sua diretamente com os militares de Myanmar.