"Nada disto leva à renúncia." Guterres "é alguém que olha pelos direitos humanos dos que sofrem"
A investigadora Ana Isabel Xavier aponta à TSF que é "a opinião pública israelita que está a determinar a necessidade da retórica de Israel subir de tom, para que a lógica da vitimização seja a lógica primacial".
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A especialista em relações internacionais Ana Isabel Xavier defende que não existe nenhuma razão para António Guterres abandonar o cargo de secretário-geral da ONU, afirmando que as declarações desta terça-feira foram de "alguém que olha pelos direitos humanos daqueles que sofrem".
"O seu perfil, claramente humanitário, acabou por se sobrepor nestes últimos dias àquilo que foi o seu testemunho presencial na fronteira de Rafah e, por isso, eu julgo que aquilo que nós testemunhamos na reunião de Conselho de Segurança das Nações Unidas foi claramente um secretário-geral bastante emocionado e bastante envolvido nesta questão, mas também um secretário-geral que tem a consciência de que o mundo não é a preto e branco", defendeu a investigadora do Instituto Português de Relações Internacionais, em declarações à TSF.
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Na abertura da reunião do Conselho de Segurança, Guterres condenou inequivocamente os "atos de terror" e "sem precedentes" de 7 de outubro perpetrados pelo Hamas em Israel, salientando que "nada pode justificar o assassínio, o ataque e o rapto deliberados de civis". Contudo, o secretário-geral da ONU admitiu ser "importante reconhecer" que os ataques do grupo islamita Hamas "não aconteceram do nada", frisando que o povo palestiniano "foi sujeito a 56 anos de ocupação sufocante".
Estas declarações foram mal vistas por Israel, que já pediu a demissão "imediata" de António Guterres e admitiu que vai rever as suas relações com a ONU.
No entanto, para Ana Isabel Xavier o líder da ONU vincou a sua "imagem de grande humanista".
"É verdade que a 7 de outubro há uma condenação generalizada e vigorosa daquilo que foi o ataque do Hamas a Israel, mas também é verdade que ao longo dos últimos dias percebemos que a resposta de Israel tem sido completamente contra aquilo que o direito humanitário internacional prevê no que diz respeito desde logo à salvaguarda dos direitos dos civis em situações de Guerra. António Guterres mostrou aquilo que um secretário-geral da ONU tem de ser: alguém imparcial, mas sobretudo alguém que olha pelos direitos humanos daqueles que sofrem e aqueles que sofrem e, neste momento, pouco importa se são israelitas ou palestinianos", explicou.
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Ana Isabel Xavier aponta, ainda, que a retórica israelita está a ceder à pressão feita pela opinião pública do país, num contexto em que os apoios à causa israelita estão a decrescer, reforçando "a lógica da vitimização".
"Há um decréscimo do apoio quer a Benjamin Netanyahu e ao seu Governo, quer à própria causa israelita naquilo que poderá ser uma ofensiva terrestre que levará ao deteriorar da situação humanitária, que já por si é muitíssimo grave. Neste momento, é a opinião pública israelita que está a determinar a necessidade da retórica de Israel subir de tom para que a lógica da vitimização seja a lógica primacial nos fóruns internacionais como as Nações Unidas", afirmou.
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A especialista considera, por tudo isto, que António Guterres tem sido posto à prova, sublinhando que os mandatos de Guterres ficarão "para a história como dos mais desafiantes dos secretários-gerais".
"Todas estas questões em conjunto - a pandemia da Covid-19, a agressão injustificada da federação russa à Ucrânia e agora esta guerra Israel-Hamas, pela sua escalada regional e global -, fazem com que claramente os mandatos de António Guterres fiquem para a história como dos mais desafiantes dos secretários-gerais. De qualquer maneira, nada disto leva à renúncia de António Guterres e aquilo que é a sua imagem de grande humanista, que é, desde logo como alto-comissário para os refugiados e agora como secretário-geral da ONU", conclui.