O telefone vermelho foi ligado há 60 anos e evitou uma guerra mundial. Pode voltar a funcionar?
A primeira linha de comunicação entre os Estados Unidos e a União Soviética foi criada a 30 de agosto de 1963 e, em plena Guerra Fria, ajudou a acalmar as tensões e evitar um conflito nuclear. Sessenta anos depois é "difícil" acreditar que existe comunicação entre Washington e Moscovo.
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Ao contrário do que se possa pensar, o telefone vermelho, assim eternizado, não era um telefone, mas sim um telégrafo e duvida-se que fosse vermelho.
Mas a cor, símbolo de emergência em plena Guerra Fria, ajudou a que o primeiro canal de comunicação entre os gabinetes de John Kennedy e o de Nikita Kruschev ficasse na história. As relações entre os Presidentes dos Estados Unidos e União Soviética eram tensas e esta ligação direta permitiu, pelo menos, que houvesse diálogo entre ambos.
Sessenta anos depois é na Ucrânia que a tensão volta a aumentar entre Estados Unidos e Rússia. Tiago Moreira de Sá, investigador no Instituto Português de Relações Internacionais, não acredita que neste momento exista um telefone vermelho entre os dois países: "Qualquer ordem internacional, regional ou europeia implica que a Rússia faça parte, mas desde o início da guerra na Ucrânia que os tanques e a artilharia russas destruíram completamente essa hipótese. Não estou a dizer que não possa ter que haver diálogo, é sempre preciso haver no futuro, mas todos os canais de diálogo foram destruídos por iniciativa da Rússia."
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Mas nos tempos da Guerra Fria, a construção de um canal de comunicação "permanente" conseguiu evitar o pior: uma guerra nuclear. "A ideia foi evitar uma nova crise dos mísseis de Cuba, novos perigos do mundo, entrar num apocalipse nuclear e reduzir um pouco a tensão subjacente a isso", acrescenta o professor de relações internacionais da Universidade NOVA de Lisboa, em declarações à TSF.
Kennedy e Kruschev terão falado várias vezes neste telefone vermelho, que deu o pontapé de saída a outras conversações, sobretudo entre "os serviços de informação e defesa, às chefias militares", ou seja, o telefone vermelho abriu espaço para outros diálogos entre os Estados Unidos e a então União Soviética.
Este novo equipamento foi financiado de igual forma pelos dois países, com as despesas de manutenção a serem igualmente divididas, mas continua a ser difícil definir se foram os norte-americanos ou os soviéticos a terem a iniciativa. Tiago Moreira de Sá afirma que isso acontece porque "as fontes primárias que estão desclassificadas são sobretudo as dos Estados Unidos e a literatura existente é esmagadoramente norte-americana".
"É muito claro que desde logo a administração de Kennedy, que tem de gerir a crise dos mísseis de Cuba, mas depois todas as subsequentes, Johnson, Nixon, Carter e Reagan, todas elas perceberam que a relação entre as superpotências pressupunha diálogo entre as partes. Era fundamental que conversassem permanentemente", adianta.
Essas conversações já não existem atualmente entre Joe Biden e Vladimir Putin, porque, no entender de Tiago Moreira de Sá, "não há condições para isso": "É difícil falar em diálogo desde o início da Guerra na Ucrânia porque qualquer abertura é entendida do lado russo como um sinal de fraqueza. Se há coisa que é clara para toda a gente é que Putin só entende e respeita a força."
Mas a longo prazo, o investigador universitário acredita que a situação pode alterar-se: "É preciso haver um momento em que volta a haver esse telefone vermelho e que as partes possam voltar a dialogar. Se há coisa que é sabido é que todas as soluções duradouras são políticas e têm de ser conversadas."
Para já, não há condições para esse cenário, que não permitem ligar um telefone que evitou uma guerra nuclear.