Trump impõe guerra "ideológica às esquerdas latino-americanas": ação militar na costa venezuelana “é aviso para Brasil”
À TSF, a académica brasileira Flávia Loss de Araújo afirma que a manobra militar dos EUA na costa venezuelana é uma situação "atípica" na América Latina e aponta que Donald Trump esconde "interesses económicos" por trás desta ação
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As últimas semanas têm sido tensas entre os Estados Unidos da América e a Venezuela: com a justificação de que quer combater o tráfico de droga, Donald Trump não só enviou para a costa venezuelana vários navios de guerra equipados com mísseis e um submarino com capacidade nuclear, como deu ordem para o envio de caças F-35 para uma base aérea em Porto Rico e mostrou ainda imagens do ataque às três embarcações que alegadamente transportavam droga para os EUA. O Presidente venezuelano, Nicolás Maduro, encarou as ações norte-americanas como uma "agressão de caráter militar" e alertou que o homólogo está a usar a droga para justificar um ataque criminoso contra o país.
Para Flávia Loss de Araújo, académica brasileira, doutorada em Relações Internacionais e mestra em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo, as manobras militares dos EUA na costa venezuelana são uma "demonstração de força muito grande da parte da Administração Trump para a Venezuela de Maduro".
Afirma mesmo que esta é uma situação que "sai um pouco da normalidade", uma vez que a América Latina é conhecida por ser uma "zona de paz", ainda que desavenças com os vizinhos norte-americanos tenham implicado uma "interferência na política interna" destes países latinos.
"Neste caso, é um pouco atípico por se tratar de Donald Trump. Parece muito uma demonstração de força para pressionar o Governo de Maduro. Agora, a pressionar a quê? Os objetivos não estão claros", reconhece.
Ainda assim, Flávia Loss de Araújo acredita que existem duas hipóteses em cima da mesa para justificar estas medidas, sendo uma mais provável do que a outra: ou Donald Trump procura uma forma de derrubar o regime de Nicolás Maduro para restaurar a democracia — ainda que "em nenhum momento tenha citado isso" —, ou então explora "interesses económicos".
"Provavelmente, é uma pressão para que Maduro negocie termos do petróleo ou mesmo algumas coisas a respeito do tráfico de drogas, que é um problema — mas não é dessa forma que os Estados Unidos conseguirá resolvê-lo", avisa.
A investigadora especialista na América Latina conclui, por isso, que a Administração Trump está a levar a cabo uma espécie de guerra ideológica às esquerdas latino-americanas.
"Ideologicamente, tem um combate às esquerdas aqui na América Latina. Isso é bem declarado [por Trump]. E o Maduro a gente já pode colocar numa extrema-esquerda: o regime caminhou para uma radicalização muito forte. Agora, não tem uma sinalização do motivo para essa pressão", explica.
Loss Araújo sublinha ainda que a "espetacularização da política" é uma ferramenta que o chefe de Estado norte-americano "adota em tudo o que faz", ao procurar "chamar a atenção dos media".
"Ele pode levantar esses argumentos, mas não teve nenhuma declaração em que, por exemplo, usasse as palavras 'democracia' ou 'oposição na Venezuela'", vinca, completando que existem vários grupos que verdadeiramente procuram uma "mudança de regime".
A preocupação com a restauração da democracia, diz, não passa de uma "cortina de fumaça para a política externa americana", que atua na base da "demonstração de força contra um regime de extrema-esquerda", procurando privilegiar os "interesses económicos", onde o preço do petróleo é o principal motivo de preocupação.
A investigadora insiste, contudo, que esta ação militar não é a forma mais eficaz de combater o narcotráfico e coloca até "toda a região numa tensão muito forte".
"Todos os Governos que não são alinhados ideologicamente a Washington nesse momento ficam tensos, porque não tem uma justificativa para o que está acontecendo na Venezuela — só a dos cartéis, mas o resto não é falado. E, geralmente, aqui na América Latina, nas relações com os Estados Unidos, nós não tratamos as relações dessa forma", argumenta, acrescentando que é para isso que existem mecanismos como a Organização dos Estados Americanos.
O problema adensa-se quando a questão é enquadrada na realidade brasileira: ainda que não tenha havido uma ameaça militar direta, Donald Trump deixou "no ar", nas suas redes sociais, essa hipótese. O motivo é, porém, "unicamente ideológico": não representando nenhuma ameaça "comercial ou militar", o único interesse seria prejudicar o país devido à condenação do ex-Presidente Jair Bolsonaro a 27 anos e três meses de prisão por tentativa de golpe de Estado.
"No caso brasileiro é ainda mais grave: o que temos é um ataque à nossa democracia e é importante que vocês também sigam esse assunto na Europa. Tem sido pouco falado o quanto o Brasil está sendo atacado no seu Estado de Direito", atira.