Uma farsa na Web Summit. Fingiram ser representante de Adidas e DJ Marshmello para denunciar abusos laborais
Aristide Feldholt, identificado como "executivo" da Adidas, e o DJ Marshmello levaram a cabo uma ação para alertar para o desrespeito pelos direitos dos trabalhadores. Mas tudo não passou de uma farsa reivindicada pelo grupo de ativistas The Yes Men. O DJ Marshmello já reagiu. A TSF já pediu esclarecimentos à Web Summit e à Adidas, mas até ao momento não obteve resposta.
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A Web Summit 2023 já terminou, mas há ainda histórias por contar. Por volta das 10h30 de quarta-feira, no pavilhão 3 da cimeira tecnológica que decorreu em Lisboa, Aristide Feldholt, identificado como um "executivo" da Adidas, subiu ao palco 8 para anunciar um novo "oásis virtual", o adiVerse.
Através do adiVerse, a Adidas recompensaria dezenas de milhares de trabalhadores "mal pagos", permitindo-lhes brincar num mundo de realidade virtual. O acesso ao adiVerse seria feito através de uma criptomoeda - a adiCoin - gerada por um minúsculo chip implantado nos corpos dos trabalhadores da marca e que rastrearia a produtividade dos trabalhadores em tempo real.
"Imaginem um lugar onde os trabalhadores, mesmo os mais pobres, podem ter tudo o que quiserem, onde os trabalhadores que não têm uma boa refeição por dia podem festejar o dia todo e a noite toda, onde os trabalhadores possam educar e cuidar dos filhos menores e onde mesmo sem dinheiro, os trabalhadores ainda podem viver vidas plenas e gratificantes", afirmou Aristide Feldholt em pleno palco da Web Summit, perante uma plateia de centenas de pessoas, entre investidores, empreendedores e jornalistas.
Em vez de aumentos salariais, a proposta apresentada na cimeira tecnológica permitiria "oferecer algo ainda melhor: um lugar onde os trabalhadores poderiam desfrutar dos luxos de um mundo de sonho ilimitado."
No adiVerse, os trabalhadores que não conseguem pagar por uma refeição todos os dias "serão capazes de viver além dos seus sonhos" e os mais desfavorecidos "poderão viver vidas plenas e gratificantes", mesmo "sem dinheiro real". "Um pequeno dispositivo implantado mede diretamente o seu trabalho e gera uma moeda chamada adiCoin", explicou o "executivo" da Adidas.
O anúncio foi acompanhado de descrições explícitas sobre as "origens nazis da Adidas" e a "terceirização do trabalho forçado na Segunda Guerra Mundial", os problemas de trabalho infantil "quase resolvidos" e os atuais "abusos laborais".
Um discurso carregado de ironia, que deixou o público algo confuso, mas que ganhou força quando apareceu em palco o DJ norte-americano Marshmello.
Para celebrar o lançamento deste novo mundo virtual para os trabalhadores da marca de vestuário desportivo, o DJ "lançou" uma nova música: "All Day I Dream." Para a apresentação deste novo single, subiram também a palco os Lisbon Breakers que executaram uma coreografia em que representavam os trabalhadores da Adidas a serem libertados dos abusos laborais.
"Ultimamente, tenho pensado: quero que eles sejam mais felizes, quero que sejam mais felizes", disse Marshmello, citando "Happier", um dos maiores sucessos do DJ, para mostrar a solidariedade para com os trabalhadores.
Mais de uma hora depois, às 12h00, em conferência de imprensa, o "executivo" da Adidas, Aristide Feldholt, e o DJ Marshmello juntaram-se para dar mais explicações sobre o adiVerse.
Questionado sobre se este novo mundo virtual seria gratuito para todos, Aristide responde que "só se pode pagar em adiCoin, gerada pelos trabalhadores na fábrica". "Não se trata de proteger os trabalhadores, mas de dar-lhes a oportunidade de viver como seres humanos", esclareceu.
"O adiCoin só é gerado pelo trabalho dos trabalhadores da Adidas", acrescentou.
"É uma prova de trabalho", completa Marshmello. "À medida que um trabalhador produz, ele gera moedas, está a minerar enquanto trabalha. Eles recebem o implante que vai rastrear e monitorar o seu trabalho, é um chip inteligente. O trabalho é verificado através de vídeo e inteligência artificial, algo que garante que apenas um trabalhador possa gerar uma prova de trabalho", refere.
Todos os presentes na sala acreditaram na existência deste novo mundo virtual, mas tudo não passou de uma farsa reivindicada, mais de 24 horas depois, na quinta-feira, pela dupla de ativistas The Yes Men, conhecidos pelos pseudónimos de Andy Bichlbaum e Mike Bonanno. A revelação foi feita pelos próprios no website do grupo.
Na verdade, na Web Summit não esteve presente nenhum "executivo" da Adidas nem o DJ Marshmello. Aristide Feldholt era Andy Bichlbaum e o DJ Marshmello era Mike Bonanno.
Além disso, a foto de perfil de Aristide Feldholt, colocada na aplicação da Web Summit para anunciar a performance, não corresponde à mesma pessoa que esteve em palco com o "impostor" Marshmello.
Numa nota enviada aos jornalistas no dia anterior à performance na Web Summit, os ativistas dos The Yes Men garantem que a organização do evento teria acreditado que tinha convidado a Adidas e o DJ Marshmello para discursar, "quando o que tiveram foi uma cabala bem organizada de ativistas que conceberam uma sátira para atingir a Adidas por inação sobre questões laborais".
Os The Yes Men asseguram também que o grupo Lisbon Breakers, que realizou uma coreografia em palco, não teria percebido que havia sido contratado por "impostores".
O DJ Marshmello já reagiu à "farsa" nas redes sociais: "Quem quer que a Web Summit tenha contratado para atuar ou dar entrevistas não sou eu. Peço desculpa a quem se deixou enganar por aquele impostor. A minha equipa já contactou a Web Summit", escreveu o DJ na rede social X.
Whoever @websummit booked to perform and do interviews was not me. sorry to anyone who was misled by that imposter, my legal team has reached out #WebSummit
- marshmello (@marshmello) November 16, 2023
Por meio de ações mediáticas, os The Yes Men têm como principal objetivo alertar para problemas importantes, como os direitos laborais, fazendo passar-se por pessoas poderosas e porta-vozes de grandes organizações.
Nestas ações, personificam entidades e pessoas com a missão de dizer a verdade e expor mentiras, defendendo que as grandes empresas agem, muitas vezes, de forma desumana com o público e os contribuintes.
De acordo com o website destas ativistas, os The Yes Men dizem que "destroem marcas, criam ilusões públicas, trabalhamos com comunidades, perturbam eventos e personificam entidades nefastas".
O objetivo da dupla é "apoiar mudanças positivas em torno de questões importantes, geralmente aquelas que ainda não recebem a atenção que merecem", como os direitos laborais dos trabalhadores da Adidas.
Não é a primeira vez que a Adidas é alvo de sátira por parte dos The Yes Men. Mais uma vez acusando a marca de desrespeito pelos direitos dos trabalhadores e alertando para abusos laborais, em janeiro deste ano, na Fashion Week de Berlim, a dupla anunciou a nomeação de um antigo trabalhador do Camboja do setor têxtil como novo co-CEO da Adidas.
A TSF já pediu esclarecimentos à Web Summit e à Adidas, mas até ao momento não obteve resposta.