"Única hipótese" de Israel salvar reféns é invadir Gaza por terra, "por ar arrisca-se a matá-los"
Maria João Tomás acredita que Netanyahu negligenciou de propósito o ataque do Hamas.
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A especialista em assuntos do Médio Oriente Maria João Tomás considera na TSF que Israel só pode salvar os reféns que estão a ser usados como escudos humanos pelo Hamas se invadir Gaza por terra.
"É a única hipótese que Israel tem neste momento de resgatar os reféns", garante, "porque por ar arrisca-se a matá-los". A razão é simples: "Os reféns estão nos túneis de Gaza e os túneis de Gaza estão por baixo das casas, estão por baixo dos paióis. O Hamas dá as casas às pessoas e depois, por baixo das casas, põe paióis onde põe o armamento. Depois, por baixo do armamento, ainda faz túneis, que é por onde conseguem circular. Gaza não se consegue expandir, são 40 quilómetros por dez. A única maneira de eles se expandirem é para baixo."
É nesses túneis que "estarão os reféns, e esses reféns estão a servir de escudos humanos. A parte aérea não vai servir de muito porque, além de os matar, vai destruir tudo".
" Isso poderá ser o menor dos problemas ou a menor das preocupações de Netanyahu mas, de qualquer forma, um ataque aéreo vai matar os reféns. A única maneira de os conseguir tirar de lá é pôr boots on the ground. Vamos entrar numa guerrilha urbana que tem vantagem para o Hamas porque conhece bem os túneis. É uma Gaza paralela que cria desvantagem para as forças de Israel", explicou.
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Para a especialista, Netanyahu negligenciou de propósito o ataque do Hamas, mas o tiro saiu-lhe pela culatra.
"A minha opinião pessoal era que ele tinha interesse em negligenciar esse ataque porque achava que eles não iam fazer nada de extraordinário. Por outro lado, utilizando todo o poder que tinha, ele acabava com eles em dois tempos e saía vitorioso. Rapidamente calava oposição, calava a comunidade Internacional, calava tudo. Só que o tiro saiu-lhe pela culatra porque o Hamas estava a preparar isto já há muito tempo, tem as brigadas todas terroristas da Cisjordânia e de Gaza. O Hamas conseguiu a unidade interna, que era uma preocupação, e a seguir pode conseguir com os reféns muita coisa porque Benjamin Netanyahu não vai querer, com certeza, deixar morrer os seus. Depois temos americanos, temos gente do mundo inteiro. São 180, 150 estão nos túneis, mais 30 que estão espalhados pelas casas de Gaza", revela a especialista em assuntos do Médio Oriente.
Segundo Maria João Tomás, não há como tomar partido do Hamas ou do Governo de Netanyahu neste conflito.
"Ninguém pode apoiar o Hamas. O Hamas é uma organização terrorista que fez aquilo que fez naquelas povoações. Não podemos estar a tomar partido de uma de uma organização terrorista, podemos é tentar perceber porque é que se chegou aqui, isso já é outra questão e também podemos tentar perceber porque é que Netanyahu tem o Governo que tem. Isto não é um governo religioso, é um governo violento. Quem está à frente da defesa é um general muito batido que esteve na guerra do Líbano, que esteve em vários confrontos com Gaza", esclareceu.
Sublinhou também, no entanto, que "o que se passa na Faixa de Gaza é um horror já há muitos anos" e, por isso, defende a necessidade de separar "o que é o Hamas e o que é que são os palestinianos". A professora e investigadora aponta ainda que os países árabes vão ter um "papel muito importante" para que a paz seja alcançada, pondo um travão ao conflito israelo-palestiniano.
"É bom que se perceba que há uma diferença muito grande entre o que é o Hamas e o que é que são os palestinianos. Entre o que é o Hamas e a vontade de os palestinianos terem a sua terra e de terem as suas fronteiras definidas e o reconhecimento internacional como tal. É importante que se faça essa separação", defende.
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A especialista em assuntos do Médio Oriente chama atenção para um outro facto que diz estar esquecido: "O que se passa na Faixa de Gaza é um horror já há muitos anos e que as pessoas esquecem, porque os próprios palestinos são reféns do Hamas. O Hamas é que manda", alerta, explicando ainda que se a "situação monetária é má, já era má antes, agora vai ficar pior".
"Eles [os palestinianos] já têm a eletricidade cortada durante muito tempo, a água também era escassa. Isto que se está a passar agora e aquilo que Israel está a fazer à Faixa de Gaza já fazia há muito tempo, só que agora anunciaram-no formalmente", reforça.
Os EUA revelaram, esta quinta-feira, que não têm qualquer informação de um envolvimento direto ou indireto do Irão no ataque ao Hamas e a Maria João Tomás considera que se o Irão se envolvesse, as consequências seriam graves.
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"O envolvimento direto do Irão é uma guerra mais alargada e isso começa a chamar parceiros", adverte.
Maria João Tomás explica ainda que o conflito israelo-palestiniano tem deixado o Presidente ucraniano "apavorado" e, pelo contrário, a Rússia "esfrega as mãos de contente".
"Israel já se empenhou, desviando as atenções da Ucrânia e Zelensky está cheio de medo e apavorado, porque uma parte do apoio que vinha dos EUA está neste momento a ir para Israel, com a agravante de que a parte republicana é muito chegada ao lobby judaico e já disse que não quer enviar mais nada para a Ucrânia", esclarece.
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Quanto ao Egito, cuja Península do Sinai faz fronteira com Gaza, Maria João Tomás acredita que, juntamente com outros países árabes, vai ter um papel muito importante na mediação do conflito e na construção da paz.
"O Egito tem um papel muito importante por causa do Sinai e porque não lhe interessa que haja guerra ali, porque tem o Cairo, o canal de Suez. Ali interessa-lhe que haja paz, porque lhe afeta a coisa mais importante que há, que é a economia e vai afetar diretamente aquilo que é a sua maior fonte de rendimento: a passagem do canal de Suez", afirma.
A especialista destaca ainda que as aproximações entre a Arábia Saudita e Israel "acabaram, foram suspensas", estando os Acordos de Abraão - "que fizeram a aproximação de alguns países árabes a Israel" - a serem liderados pela Liga Árabe.
"Os países árabes vão ter um papel muito importante na paz", reforça.