Um assalto ainda não explicado aos Paióis Nacionais de Tancos e, sobretudo, as revelações do ex-chefe de gabinete, revelaram-se fatais para Azeredo Lopes. O Ministro que resistiu enquanto pôde, o mais que pôde, até não poder mais.
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No dia em que se deram as primeiras detenções no caso Tancos, a 26 de setembro deste ano , o país parou.
Pela primeira vez ouviu-se a história de um pacto entre um assaltante e a PJ Militar, para encobrir o misterioso caso do assalto aos paióis nacionais, que se arrastava há mais de um ano numa investigação sem resultados conhecidos. Nesse dia de setembro, há pouco mais de duas semanas, os portugueses assistiram de queixo caído à detenção de oito pessoas: apenas um dos detidos era civil. Os restantes eram militares da GNR de Loulé e militares da Polícia Judiciária Militar. Incluindo o seu diretor, o coronel Luís Vieira.
Nos dias seguintes, a história foi-se contando, pelo menos em parte. As autoridades acreditam que haveria um plano para que, na noite de 18 de outubro de 2017, o piquete da Policia Judiciária Militar de Lisboa recebesse uma alegada chamada anónima a alertar para o aparecimento das armas e restante material na Chamusca. Na base das detenções de dia 26 de setembro, estava a convicção da Polícia Judiciária e do Ministério Público de que este telefonema tinha sido combinado para a PJ Militar recuperar o material, apesar do caso estar nas mãos da PJ civil, sob condução do Ministério Publico.
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Entrava-se numa segunda fase do processo: a da descoberta de uma possível encenação. Ainda o gabinete do ministro estava longe de entrar diretamente no caso, e já o CDS anunciava o pedido de uma comissão de inquérito . Acusava o governo, em geral, e Azeredo Lopes, em particular, de terem tentado desvalorizar o sucedido: primeiro invocando desconhecimento dos factos, depois por terem tentado encerrar precipitadamente o problema. E recordaram os centristas uma das frases porque Azeredo Lopes será recordado. Aos microfones da TSF, depois do anúncio do furto e já com as investigações em campo, admitia o ministro que "no limite, pode não ter havido furto nenhum."
Fora do palco político, contudo, Tancos prosseguia nos interrogatórios judiciais. Um dos novos elementos chave do caso, o major Vasco Brazão, regressado da República Centro-Africana para ser constituído como o nono arguido de Tancos, agita as águas. O ex-porta-voz da Polícia Judiciária Militar (PJ) e investigador daquela força ao furto inicial, admitia, no Campus da justiça e através do seu advogado, vir a pedir o levantamento do segredo de justiça para que fossem divulgadas partes do interrogatório judicial "em nome da honra e dignidade".
Nesse dia, o Expresso noticiara que o ex-porta-voz da PJM tinha dito ao juiz de instrução criminal que, já depois de as armas terem sido recuperadas, dera conhecimento ao ministro da Defesa, juntamente com o diretor daquela polícia, coronel Luís Vieira, da encenação montada em conjunto com a GNR de Loulé em torno da recuperação as armas furtadas" do paiol nacional de Tancos.
E o país voltou a parar.
A partir de Bruxelas, o ministro da Defesa negava categoricamente que isso tivesse acontecido. "Não tive conhecimento de qualquer facto que me permitisse acreditar que terá havido um qualquer encobrimento na descoberta do material militar de Tancos", afirmou José Azeredo Lopes.
Minutos antes deste desmentido, Azeredo Lopes admitira o embaraço que toda a situação de Tancos criava, dentro e fora do país, junto dos parceiros da NATO e da Europa. Ficará também, sabe-se agora, como uma das últimas declarações públicas sobre o caso.
Mas Tancos já tinha ganho vida própria, Na reunião invocada pelo major Brazão em tribunal, teria havido ainda a entrega de um memorando, mas não diretamente ao ministro. E entra em cena um novo protagonista: o chefe de gabinete de Azeredo Lopes à época dos factos, que vem a público reforçar a versão do ministro. Numa nota divulgada à imprensa na noite de 4 de outubro, o t enente-general António Martins Pereira admite que recebeu o coronel Luís Vieira e o major Brazão e disponibilizou-se para ser ouvido pelo DCIAP . Mas deixa claro que, "nessa ocasião ou em qualquer outra", não lhe "foi possível descortinar qualquer facto que indiciasse qualquer irregularidade ou indicação de encobrimento de eventuais culpados do furto de Tancos".
Uma semana depois, e sem que se tenha percebido o que mudou, o antigo chefe de gabinete de Azeredo Lopes volta a alimentar manchetes. Revela ter "entregue no início da tarde, no DCIAP" um documento sobre a operação de recuperação do material desaparecido de Tancos, admitindo pela primeira vez que teve em sua posse, desde novembro de 2017, documentação relacionada com este caso. Em sua posse, sem que dela tenha dado conta às autoridades que faziam a investigação. O memorando que ninguém conhece, mas que todos querem ler, começa a sair a conta-gotas na imprensa.
O famoso documento tem apenas duas folhas A4, que nem são de papel timbrado (algo que nunca poderia acontecer se o documento tivesse sido elaborado a pedido do Ministério da Defesa), não tem data, nem carimbos e não foi assinado. Mas o relato é de que terá sido assim que chegou ao antigo chefe de gabinete, em novembro de 2017.
Azeredo Lopes ainda reage. Sabe-se hoje que pela última vez. Declara que o seu antigo chefe de gabinete agiu "de acordo com o que considerou ser o seu dever".
Mas pela terceira vez em pouco mais de 15 dias, o país já estava parado. E agora à espera que alguém viesse pôr ordem na casa. Ninguém acredita que um chefe de gabinete, general de carreira, na posse de documentação relativa a matéria sob investigação criminal, num tema tão sensível, pudesse ter mantido o ministro que serve na ignorância.
Em público, já só António Costa segura o membro do executivo. Com as críticas a subirem de tom, e o PSD a ameaçar chamar o primeiro-ministro para dar justificações ao Parlamento, Azeredo Lopes torna-se uma debilidade aos olhos de todos na governação. A sua ausência nas comemorações do 5 de outubro foi amplamente notada. Comentadores ou adversários políticos, diariamente alguém o despedia ou pedia a sua cabeça. Esta sexta-feira foi a vez de Rui Rio, o líder partidário que faz gala em nunca pedir demissões.
Horas antes de se saber da sua saída, que caiu como uma bomba relógio pouco antes do fim de semana, duas novas notícias ainda agitaram (e confundiram) o país. Uma, a anunciar a vontade dos militares da GNR em começarem a falar em tribunal; outra a dar conta de que o ex-diretor da PJM se afastava do memorando que punha em causa o ministro.
Se muitos pediam a demissão de Azeredo Lopes, poucos antecipavam que ela acontecesse já. Tanto mais que Azeredo participou esta sexta-feira na tomada de posse da nova Procuradora-geral da República e, ao final da tarde, o gabinete de comunicação do Ministério da Defesa enviava para as redações a agenda do Ministro da próxima segunda-feira. O Ministro da Defesa pode até ter agenda na próxima semana. Mas esse Ministro já não será Azeredo Lopes.