"Secretário-geral do PSD assinou presenças no Parlamento sem lá estar." A notícia do jornal Expresso deu início à polémica que envolve José Silvano, faltas ou presenças assinadas por outra pessoa e o acesso a passwords intransmissíveis. Seis dias depois, surge Emília Cerqueira, a deputada que assumiu ser responsável. O que se sabe e o que fica por explicar?
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1. Quem assinou as presenças de José Silvano?
A polémica dura há quase uma semana, começou com uma notícia no jornal Expresso. Seguiram-se reações, comentários, justificações, mas uma questão continuava por responder: quem tinha, afinal, assinado a presença de José Silvano. A resposta haveria de surgir na tarde desta sexta-feira, quando o PSD anunciou a realização de uma conferência de imprensa. A deputada Emília Cerqueira assumiu as responsabilidades, deu o corpo às balas e revelou que é normal aceder ao computador de José Silvano com a password do secretário-geral do PSD, ainda que, realçou por diversas vezes, o tenha feito "inadvertidamente" e sem a consciência de que ao aceder ao computador validava, automaticamente, a presença de José Silvano.
2. Quem é Emília Cerqueira?
Maria Emília e Sousa Cerqueira é deputada eleita pelo círculo eleitoral de Viana do Castelo. Advogada de profissão, e apesar da experiência política a nível local, a social-democrata só chegou à Assembleia da República na presente legislatura.
Neste momento está integrada na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, Comissão de Ambiente, Ordenamento do Território, Descentralização, Poder Local e Habitação, na Comissão Eventual de Acompanhamento do Processo de Definição da "Estratégia Portugal 2030" e é suplente na Comissão de Agricultura e Mar. A deputada faz parte de três grupos de trabalho, com as temáticas da floresta e incêndios, de impacto ambiental na prospeção de petróleo e nas bactérias de Legionella.
Emília Cerqueira é do Alto-Minho - disse-o várias vezes durante a conferência de imprensa - e assumiu ser "amiga" de José Silvano.
3. Porque acedeu, afinal, Emília Cerqueira à conta de José Silvano
A deputada do PSD acedeu ao computador e à conta de José Silvano pela "necessidade de consultar documentação" que partilham e que "está apenas disponível no computador dele", explicou.
"É impossível, através do meu computador, aceder a essa documentação. Sempre que é necessário acedo à documentação do computador dele, sem qualquer problema", esclareceu a social-democrata na conferência de imprensa.
"Várias vezes o fiz e assumo." As palavras são da própria deputada, que não esconde que a utilização é regular e que, por diversas vezes, acede à conta para tratar de assuntos profissionais.
4. Não há outras formas de partilhar e consultar documentos?
Em pleno século XXI, na era das tecnologias e com um mundo de opções à distância de um clique, porque razão os deputados da Assembleia da República não conseguem partilhar documentos sem usar uma palavra-passe que, supostamente, seria intransmissível? Google Drive, Dropbox, One Drive ou iDrive são apenas alguns programas do leques de opções disponíveis no mercado, e algumas até gratuitas. Qualquer uma delas poderia ter deixado José Silvano bem longe desta polémica.
5. José Silvano pediu ou não para lhe marcarem a presença?
O secretário-geral do PSD assegurou que não e a deputada Emília Cerqueira corroborou. José Silvano disse, esta quinta-feira, em conferência de imprensa, que não pediu a "ninguém" para assinar a sua presença e a deputada eleita pelo círculo de Viana do Castelo justificou o acesso apenas para a utilização de documentos e "não para marcar a presença do senhor deputado".
"Percebo agora que o fiz inadvertidamente. Lamento que tal tenha sucedido e, mais ainda, lamento que se tenha criado um circo mediático à volta de uma coisa tão simples como um colega ter partilhado ficheiros de trabalho e trabalhar no mesmo terminal de computador", justificou a social-democrata.
6. É normal os deputados terem as passwords uns dos outros?
Se é, não devia ser. De acordo com a nota à comunicação social, enviada pelo Presidente da Assembleia da República, na passada segunda-feira, "a password de cada utilizador é um dado pessoal e intransmissível", isto apesar de "tecnicamente nenhum sistema impedir a sua partilha."
Emília Cerqueira garante que não só é uma prática comum "nas organizações", como é perfeitamente normal que aconteça num ambiente profissional. "Tenho a password de alguns colegas de quem sou muito próxima, aliás, como eles têm a minha", admitiu.
Na nota de Ferro Rodrigues, a propósito do caso José Silvano, o Presidente da Assembleia da República lembra ainda que "todos os deputados renovaram, no passado mês de Julho, a respetiva password" e que "não existem atualmente Deputados com opção de password never expire".
7. O que fez José Silvano quando as suas falsas presenças foram notícia?
José Silvano solicitou ao Presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, que "fossem marcadas as respetivas faltas" dos dias 18 e 24 de outubro
Sobre o dinheiro, o secretário-geral social-democrata esclareceu que as senhas de presença nos dias em que não esteve presente no Parlamento "são devidas legalmente caso tenha existido nesses mesmos dias presença em outras atividades parlamentares". Desta forma, José Silvano explica que esteve no 18 de outubro na reunião do Grupo Parlamentar do PSD e no dia 24 na reunião da 1.ª Comissão no Parlamento, o que, "só por si, conferia também direito à senha de presença respetiva".
"São, portanto, falsas as notícias que dão nota de que os registos nos plenários de 18 e 24 de outubro tiveram como motivo o recebimento de verbas não devidas", esclareceu em comunicado.
8. Porque demorou Emília Cerqueira uma semana a assumir a responsabilidade?
O nome da deputada do Alto-Minho começou a circular nos corredores da Assembleia da República e nas redações, na quinta-feira, ao final do dia. Até aqui, à deputada, a José Silvano e à própria direção do PSD, nunca ocorreu vir a público esclarecer quem tinha sido a pessoa responsável pelo registo das presenças do secretário-geral do partido, nos dias em que este faltou.
De acordo com o jornal Expresso, Emília Cerqueira foi contactada por este jornal ao final da manhã desta sexta-feira, mas não atendeu o telefone. O Expresso conta ainda que a deputada foi confrontada por mensagem escrita, depois reuniu com a direção do PSD e decidiu marcar uma conferência de imprensa para a tarde de sexta, na Assembleia da República.
Esta sexta-feira, a deputada esclareceu ainda que esteve fora do país e 'desligada' das notícias. "Não estive em Portugal durante o fim de semana e nem sequer me apercebi do que se estava a suceder. Confesso que não estive a ver as notícias e apenas quando chego a Portugal é que me apercebo que há notícias. Não disse nada ao deputado José Silvano e só me apercebi verdadeiramente da dimensão quando, ontem, vejo o deputado a fazer aquela comunicação à imprensa e percebo que tenho de repor a verdade dos factos porque não posso compactuar com o linchamento público de uma pessoa por algo que ela não fez", justificou a deputada.
9. Tudo isto foi um ataque interno à direção de Rui Rio?
Emília Cerqueira acha que sim e fez questão de o dizer na conferência de imprensa, admitindo que viu esta questão como um "ataque direto à direção de Rui Rio porque parece que desde que está à frente do PSD tudo está errado e ele é culpado de todos os males deste mundo".
A opinião da deputada é corroborada por dois elementos da direção de Rui Rio: Salvador Malheiro, presidente da Comissão Política Distrital de Aveiro do PSD e membro da direção de Rui Rio apontou o dedo à comunicação social por notícias que atingem Rui Rio.
Esta manhã, na TSF, o social-democrata deu a entender que há uma perseguição de alguns órgãos de comunicação social a Rio . "Ou esses órgãos de comunicação social têm a certeza absoluta (...) de que tal prática não é replicada nos outros partidos, por outros líderes partidários - quer no presente, quer no passado -, ou então esta é mais uma prova cabal de que existem órgãos de comunicação que têm um objetivo muito claro: atingir e denegrir a atual direção de Rui Rio", criticou.
Também David Justino acredita que há "uma sequência periódica de casos que, no fundo, debilitam o próprio PSD". "O que nós estamos a presenciar - eu diria - desde que o doutor Rui Rio foi eleito é uma sucessão constante de casos que não deixam o PSD afirmar-se no que diz respeito à construção de uma alternativa", reforçou.
Quem está na origem da notícia, não se sabe. Sabe-se apenas que na notícia original do Expresso , foi publicado um print screen do plenário que demonstrava a ausência de José Silvano nos dias 18 e 24 de outubro e, alegadamente, apenas um deputado tinha acesso a essa imagem.
10. O caso ficou definitivamente esclarecido?
Longe disso. A começar pela investigação do Ministério Público, que o próprio José Silvano saudou e reclamou, até à possível abertura de um processo. "Sou eu próprio que reclamo publicamente que a PGR abra efetivamente um processo de averiguações o sentido de rapidamente, dar início a uma real investigação se, em tal processo, todo este episódio não ficar devidamente esclarecido", reforçou o deputado na quinta-feira.
Politicamente, o caso pode ainda dar que falar, tendo em conta que, para todos os efeitos, Rui Rio continua debaixo de fogo por ver, mais uma vez, um secretário-geral envolvido numa polémica que, acima de tudo levanta questões éticas. Ora, o líder do PSD, candidatou-se à liderança do partido, prometendo precisamente um banho de ética.