A futura comissária europeia que quis ser empregada doméstica. Quem é Elisa Ferreira?
Elisa Ferreira é a primeira mulher portuguesa escolhida para o cargo de comissária europeia. Do carreira política como independente à polémica familiar no caso da CGD, o percurso desta economista tem sido tudo menos comum.
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O ex-ministro do Planeamento e das Infraestruturas e recente cabeça-de-lista do Partido Socialista (PS) ao Parlamento Europeu, Pedro Marques, era tido como o favorito, mas, no final, o feminino falou mais alto e Elisa Ferreira acabou por ser a escolhida para trabalhar ao mais alto nível com outra mulher, a presidente eleita da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.
Já foi ministra, deputada na Assembleia da República, deputada no Parlamento Europeu e vice-governadora do Banco de Portugal. Por esta ordem. Agora, às mãos de António Costa, Elisa Ferreira regressa a Bruxelas para assumir as funções de comissária europeia.
Observando este percurso, é de estranhar perceber que, para Elisa Ferreira, a política aconteceu por acaso.
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As origens
Uma "mulher do Norte", Elisa Maria da Costa Guimarães Ferreira nasceu a 17 de outubro de 1955. Quando era pequena, queria ser empregada doméstica, revelou uma vez, numa entrevista.
À medida que foi crescendo, começou a ambicionar uma carreira académica - que alcançou. Tirou a licenciatura em Economia na Faculdade de Economia da Universidade do Porto, e depois o mestrado e o doutoramento na Universidade de Reading, no Reino Unido. Foi a primeira mulher doutorada na Faculdade de Economia da Universidade do Porto, onde deu aulas (assim como na Universidade Católica).
Eu fiquei picada e acabei por aceitar.
Depois passou pela Associação Industrial Portuense, a Comissão de Coordenação da Região Norte, a Comissão Executiva da Operação Integrada de Desenvolvimento do Vale do Ave, o Programa de Investigação sobre Gestão de Recursos Hídricos financiado pela NATO, o Projeto de Gestão Integrada dos Recursos Hídricos do Norte e o Conselho de Administração do Instituto Nacional de Estatística.
A "provocação" de Guterres
A cena política entrou muito tarde na vida de Elisa Ferreira, em 1995 - tinha, na altura, cerca de 40 anos. E a pedido daquele que, hoje, ocupa o lugar de secretário-geral das Nações Unidas. António Guterres convidou Elisa Ferreira para assumir a pasta do Ambiente no seu Governo, algo que, inicialmente, a então professora universitária recusou.
"Você critica, critica, mas, na hora da verdade, não dá a cara", terá Guterres dito. "Eu fiquei picada e acabei por aceitar",recordou Elisa Ferreira, numa entrevista de há dois anos.
Acabou por tornar-se ministra do Ambiente, no primeiro Governo de António Guterres (1995-1999), e a ficar como ministra do Planeamento, no segundo (1999-2002).
Embora não seja militante do PS, Elisa Ferreira sempre trabalhou com os socialistas. Quando o PS perdeu as eleições para o PSD de Durão Barroso, a economista entrou, pela primeira vez, na Assembleia da República como deputada, pela bancada socialista (de 2002 a 2004).
A aventura política atravessou fronteiras em 2004, quando Elisa foi eleita nas listas do PS para o Parlamento Europeu. Ali, onde haveria de ficar até 2016, integrou a Comissão dos Assuntos Económicos e Monetários e foi coordenadora do Grupo Parlamentar dos Socialistas e Democratas.
Em 2009, foi candidata à Câmara Municipal do Porto, numas eleições que haveria de perder para o atual líder do Partido Social Democrata (PSD), Rui Rio.
A polémica com o marido
Da política de volta à economia, Elisa Ferreira chega a administradora do Banco de Portugal em 2016. No ano seguinte, é nomeada vice-governadora da instituição.
E é precisamente no Banco de Portugal que protagoniza mais uma das muitas polémicas de relações familiares reveladas este ano.
Em fevereiro, recusou-se a pedir escusa enquanto supervisora da auditoria à Caixa Geral de Depósitos (CGD)
Quando chegou a altura da auditoria à CGD, Elisa Ferreira não pediu escusa enquanto supervisora, alegando que não existiam quaisquer incompatibilidades.
Porém, veio a constara-se que o marido de Elisa Ferreira, Fernando Freire de Sousa, era vice-presidente da La Seda Barcelona quando, em 2006, o grupo espanhol se envolveu com aCaixa Geral de Depósitos, numa operação que custou mais de 250 milhões de euros ao banco público.
O caso não parece ter feito mossa na reputação de Elisa Ferreira - que, em 2005, foi condecorada pelo Presidente Jorge Sampaio com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Nosso Senhor Jesus Cristo de Portugal - dentro do Partido Socialista, já que a economista assume-se agora como a primeira escolha de António Costa para a posição de comissária europeia.
"Desiludida" com a Europa
Elisa Ferreira assume-se como uma "pessoa de convicções", que se move "por causas". Afirma que as agendas partidárias não a entusiasmam, mas, sim, o trabalho pela melhoria da qualidade de vida das pessoas.
Diz que a hipocrisia e o cinismo são o que mais a irrita e revela-se "desiludida" com a Europa atual. "Quando olho para a União Europeia que temos hoje, sinto uma desilusão. O interesse coletivo foi substituído por interesses nacionais, por interesses de determinados atores", aponta. Em 12 anos enquanto deputada no Parlamento Europeu, aos olhos de Elisa, pouco parece ter mudado. Será que agora, enquanto comissária europeia, conseguirá ver (e fazer) a diferença?