Administração do São João "extremamente preocupada" com indisponibilidade de dezenas de médicos
Roberto Roncon alerta, em declarações à TSF, que está em causa, "a curto prazo, é a capacidade de resposta do SNS à doença aguda", para a qual não existe "alternativas", adiantando que têm sido "noites difíceis a construir escalas".
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Dezenas de médicos do Centro Hospitalar Universitário de São João (CHUSJ), no Porto, mostraram-se indisponíveis para fazer mais do que as 150 horas suplementares obrigatórias, revelou esta terça-feira o diretor clínico, admitindo "preocupação" mas também "confiança".
"Várias dezenas de médicos apresentaram uma indisponibilidade para a realização de trabalho suplementar acima das 150 horas anuais. É uma situação que nos preocupa, não é uma situação uniforme em todas a especialidade, uma especialidade que tem merecido uma grande atenção da nossa parte é a especialidade de cirurgia geral, tal como acontece noutras instituições", afirma Roberto Roncon.
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Em declarações à TSF, o diretor clínico do CHUSJ não precisou números exatos até porque, explicou, a situação é "muito dinâmica" e "todos os dias o número altera".
Sem precisar quais os serviços mais afetados, Roberto Roncon, que confessa estar "extremamente preocupado", disse que "têm que ver com a assistência ao doente agudo" e são serviços que acompanham o que está a acontecer de forma "transversal" em outras instituições de saúde, onde as dificuldades têm sido relatadas na urgência e em obstetrícia.
"Estou extremamente preocupado. O que está em causa, a curto prazo, é a capacidade de resposta do SNS à doença aguda para a qual nós não temos alternativas e, que, portanto, estou particularmente empenhado a organizar o melhor possível a nossa capacidade de resposta, mas também tenho a humildade de reconhecer que a capacidade de resposta vai depender da resolução do problema a curto prazo. E espero que consigamos ultrapassar esta fase a curto prazo", confessa.
Questionado pela TSF sobre se esta resolução estaria nas mãos do Governo, o diretor considera que "está nas mãos de todos".
"Todos temos de estar envolvidos. O Governo necessariamente, o ministro da Saúde necessariamente, mas todos temos de estar envolvidos e empenhados. Todos somos importantes neste momento", destaca.
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Assinalando que a assistência ao doente agudo exige "cuidados médicos muito complexos, para os quais não existe alternativa, nomeadamente no setor privado", e que o Hospital de São João serve uma população muito vasta, o diretor clínico reiterou a "preocupação" com o momento atual.
"Têm sido noites difíceis a construir escalas, reelaborar escalas, até porque do outro lado temos profissionais de saúde que muito respeitamos e que muito deram ao SNS", sublinha, acrescentando que, apesar de tudo, "até ao dia de hoje", ainda não houve equipas com menos elementos do que o habitual.
"Obviamente que tivemos de as reorganizar para tentar dar resposta a este constrangimento, tratando-se de uma situação dinâmica, eu não consigo prever o que vai acontecer daqui a uma semana ou daqui a um mês", alerta.
Questionado, pela Lusa, sobre se esta "preocupação" foi já transmitida ao Ministério da Saúde, Roberto Roncon apontou que tem sentido que também a tutela está "preocupada" com a situação.
Roberto Roncon, que é médico intensivista no CHUSJ, procurou frisar o "respeito" pelos colegas que apresentaram indisponibilidade para fazer mais do que as 150 horas suplementares obrigatórias, lembrando que este é "direito" dos clínicos que "merecem a maior consideração".
"Só tenho de agradecer aos meus colegas o empenho constante, nomeadamente na pandemia [da covid-19]", concluiu.
Na sexta-feira, o ministro da Saúde admitiu que existe o risco de algumas urgências fecharem devido à recusa dos médicos fazerem horas extras além das obrigatórias, mas assegurou estar a trabalhar para garantir o normal funcionamento destes serviços.
"Desde sempre, o funcionamento dos serviços esteve dependente, como está hoje, da disponibilidade dos médicos para realizarem o trabalho extraordinário, esse risco evidentemente eu não posso dizer que não existe", disse Manuel Pizarro que falava à margem do Global Health Fórum.
Também a Federação Nacional dos Médicos (FNAM) avisou, nesse dia, que se acumulam "episódios dramáticos, com mais de duas dezenas de hospitais em risco de ficarem sem serviços de urgência", sendo já mais de 1.500 médicos que, em todo o país, entregaram as declarações manifestando indisponibilidade para fazer mais do que o limite legal de 150 horas suplementares por ano.
"O SNS não pode estar dependente das oito milhões de horas extraordinárias que os médicos realizam por ano", afirmou, salientando que "a situação é mais desesperante" em Viana do Castelo, Vila Real, Penafiel, Bragança, Guarda, Viseu, Aveiro, Leiria, Santarém, Lisboa e Almada, referia a FNAM em comunicado.