"Não estamos em greve." Médicos ameaçam continuar a "cumprir rigorosamente a lei" das horas extra
Manuel Pizarro reconhece que nos últimos 44 anos só foi possível que as urgências funcionassem porque os médicos aceitaram fazer um número muito elevado de horas extraordinárias. Médicos dizem que sem negociações esse cenário vai mudar.
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A recusa de muitos médicos em fazer mais do que as 150 horas suplementares obrigatórias por ano está a condicionar os serviços de urgência em todo o país.
Em declarações à TSF, a representante do movimento cívico Médicos em Luta, Helena Terleira, médica na região de Saúde do Alto Minho, lamenta que se mantenham dificuldades nas negociações e garante que se nada mudar, os médicos vão passar a cumprir de forma rigorosa a lei, ou seja, não ultrapassar as 150 horas extra.
"Não estamos a fazer greve, estamos a cumprir o nosso trabalho, as nossas obrigações", destaca. "Simplesmente ao fim de 17 meses de negociações que não chegaram a lado nenhum, entendemos que é hora de dizer ao senhor ministro que "ou se senta para discutir com os sindicatos as nossas reivindicações ou nós cumprimos escrupulosamente aquilo que a lei nos obriga a fazer."
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"Claro que isto causa constrangimentos nos hospitais, não temos dúvidas nenhumas. Claro que isto causa constrangimentos à população, também não temos dúvidas nenhumas", reconhece Helena Terleira, recordando que os médicos alertaram para este risco desde o dia 11 de setembro.
Helena Terleira diz estar ciente da dificuldade do Serviço Nacional de Saúde em reter os médicos e defende que as reivindicações procuram precisamente manter os profissionais de saúde no setor público.
"O que nós estamos a fazer é em favor do SNS, é para que se estanque a saída contínua de médicos do SNS. Porque a continuarmos assim, com a saída todos os dias dos colegas novos, daqui a quatro, cinco ou seis anos não vamos ter gente para trabalhar no SNS", alerta.
"O que queremos é uma negociação de salários justa que retenha médicos no SNS. Nós não queremos destruir o SMS. Nós queremos reforçar o SMS, e só se reforça o SMS se os salários que são pagos forem justos e se houver respeito e negociação com a classe."
Também o presidente do Sindicato Independente dos Médicos (SIM), Roque da Cunha, lamenta que a frágil situação nos serviços de urgência de todo o país se arraste há tanto tempo e não acredita numa inversão de cenário.
"É uma questão que dificilmente terá evolução positiva, já que a questão de fundo tem a ver com a circunstância de, no ano passado, os médicos terem efetivado cerca de 5.500.000 horas extraordinárias."
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"Temos aqui um problema que vem agravar algo para o que já havia vários sinais no passado, porque a questão de fundo tem a ver com a circunstância de não ter sido possível ao Governo que está no poder há oito anos captar médicos para o Serviço Nacional de Saúde", aponta.
Na terça-feira, o ministro da Saúde afirmou que nos últimos 44 anos só foi possível que as urgências funcionassem porque os médicos aceitaram fazer um número muito elevado de horas extraordinárias. "As urgências hospitalares, desde que o Serviço Nacional de Saúde existe, funcionaram sempre na base da boa vontade dos médicos que aceitavam fazer horas extraordinárias em quantidades muito significativas e desse ponto de vista não há nenhuma mudança" disse Manuel Pizarro.
Roque da Cunha lamenta que Manuel Pizarro não procure soluções mesmo conhecendo a realidade. "Sabe-se disso, o diagnóstico está feito, e tem de se encontrar uma solução para que deixe de ser assim", apela. "Não é possível manter esta situação de forma eterna."
A urgência de Ginecologia/Obstetrícia e o Bloco de Partos do Hospital de Aveiro, o Serviço de Urgência de Cirurgia do Hospital de Barcelos, as urgências do hospital da Guarda são alguns serviços hospitalares condicionados.