O bastonário da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas está preocupado com o impacto do aumento do imposto de circulação por considerar ser penalizador e recair sobre quem menos pode comprar carro novo.
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Virgílio Macedo fala de um aumento da receita do estado através da cobrança de impostos indiretos na ordem dos 8,9% em 2024 mas também diz estar preocupado com a subida da despesa pública face ao quadro macroeconómico internacional.
O bastonário da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas considera mesmo que o aumento de impostos indiretos, penalizam quem tem menos rendimentos e considera que o aumento do Imposto Único de Circulação (IUC) para veículos com matrículas anteriores a 2007 só faz sentido sobre transações futuras e não devia penalizar quem tem menor capacidade de comprar carros novos.
Já questionado sobre a possibilidade do governo poder recorrer a um orçamento retificativo em 2024 por causa do nível elevado da despesa publica e da potencial escalada dos custos energéticos pelo agravamento das condições macroeconômicas internacionais, admite ser uma hipótese, mas faz depender a opção da vontade do próprio governo quanto á execução orçamental.
Quanto ao PRR e apesar do protocolo estabelecido com a Missão Recuperar Portugal e da formação já dada a mil e 400 técnicos, até hoje nunca foram chamados para acompanhar a execução do Plano de Recuperação e Resiliência, mas fala de uma oportunidade perdida.
Virgílio Macedo diz estar muito pessimista quanto à concretização do PRR na totalidade, esperando que o governo peça a Bruxelas o alargamento do prazo de execução.
Quanto à profissão lembra que é sujeita a controlo de qualidade anual, defendendo a criação de um modelo único europeu para toda a supervisão profissional de auditoria, mas deixa uma farpa à CMVM, porque por vezes, considera que coloca em causa o trabalho dos revisores oficiais de contas.
Se tivesse a folha de Excel do Orçamento do Estado de 2024 à frente, o que é que destacaria em matéria fiscal?
Destacaria duas situações. Primeiro, temos de falar a verdade aos portugueses, ou seja, temos de falar que é importante para o país manter o equilíbrio orçamental e que, portanto, essa é uma premissa que o Orçamento do Estado deve cumprir e este Orçamento do Estado para 2024 cumpre. A segunda situação é dizer aos portugueses que o nível de impostos que necessitamos para fazer face à despesa continua a ser elevado e este Orçamento continua a fazer um crescimento da carga fiscal, quer sobre a percentagem do PIB, que passa de cerca de 36,4 para cerca de 37,4, que é um recorde, quer em termos de despesa pública, que é essa a componente preocupante para mim no Orçamento, é o montante de despesa pública total, que aumenta cerca de 10 mil milhões de euros, dos quais 7 mil milhões é despesa primária, que conforme sabemos, é uma despesa extremamente rígida, portanto, é uma despesa que irá manter-se para o futuro. E, portanto, transmitirmos aos portugueses que a realização de um Orçamento é sempre um exercício muito difícil, independentemente de qual seja o governo, de que partido for, mas acho que devemos sempre transmitir as mensagens corretas e transparentes aos portugueses.
E este governo não está a falar a verdade?
O que digo é que deveríamos tentar, de certa forma, não nos centrarmos na política pura e dura, mas tentarmos transmitir informações ao público em geral que, de alguma maneira, os permitam tomar decisões, quer de investimento, quer de consumo, que estejam por dentro. E, portanto, acho que era importante, por exemplo, o governo dizer que estamos numa situação de extrema instabilidade, que o ano de 2024 vai ser um ano extremamente desafiante em termos orçamentais, tanto do lado da despesa como do lado da receita, e que devemos ter isso em consideração.
Poderá haver um retificativo?
Sabe que o retificativo depende sempre da vontade política dos governos de a certa altura, dizerem que vão fazer uma retificação e fazer o ajustamento daquilo que foi programado. Se não, a outra opção é deixarmos a execução orçamental ir e chegar ao final do ano e termos uma menor execução da despesa, uma menor execução da receita.
Os serviços continuam a ser os mesmos e mais débeis?
Pois, esse é o problema, é que, pelos vistos, em Portugal cada vez gastamos mais dinheiro em termos de despesa pública e cada vez temos serviços mais débeis nas mais diversas vertentes. Claro que todos sentimos, e em termos mediáticos damos sempre muita atenção, e bem, à questão do Serviço Nacional de Saúde, mas existem outras situações que são extremamente débeis. Ou seja, podemos ir para as finanças, podemos ir para a educação e são serviços públicos que mostram uma fragilidade e uma qualidade de serviço que nos devia preocupar a todos.
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Há motivos para o Ministro das Finanças dizer que é preciso não confundir o aumento da fiscalidade com o aumento da carga fiscal?
Isso são jogos de palavras, são jogos de palavras que estão enquadradas no debate político, mas claramente este orçamento tem aqui uma novidade, que é uma ligeira baixa dos impostos diretos ao nível de IRS. Isso é um dado adquirido, mas por outro lado também temos de afirmar, com toda a clareza, que existe um enorme aumento dos impostos indiretos. Portanto, estamos aqui a falar, nos impostos diretos, o orçamento estima um crescimento do IVA de cerca de 8%, do IUC cerca de 20%, do ISP cerca de 13,4%, do tabaco 14,7%. Portanto, há aqui claramente uma coisa muito importante que é os impostos diretos aumentarem só 0,1% com a diminuição e depois com a dinâmica de crescimento económico, mas os impostos indiretos aumentam 8,9%. Quando estamos a falar do crescimento do PIB, de 1,5% previsto, temos aqui uma decalagem entre o crescimento do PIB e o crescimento dos impostos indiretos. Diga-se que isto é uma opção política deste governo desde 2015 e que é lícita, ou seja, há aqui claramente uma aposta em o crescimento da receita fiscal ser feita à custa de impostos diretos, que são aqueles que todos nós, à partida, sentimos menos porque nos afeta diretamente no final do mês.
Tinha esta questão para si sobre a subida dos impostos indiretos, uma vez que há quem diga que iam aumentar muito menos do que aquilo que já disse, mas outras pessoas indicam uma subida superior a 4%. Falou agora de 8,9% e acredita que o alívio do IRS vai estimular a procura interna. As mudanças propostas para 2024 vão trazer, digamos, que trabalho acrescido para os técnicos oficiais de contas?
Qualquer aumento do rendimento disponível das pessoas, obviamente, existe ali uma propensão maior para o consumo e, portanto, existe uma propensão maior para a procura. Agora, se de um lado temos essa redução da tributação direta e, portanto, as pessoas em janeiro iam ter mais algum dinheiro na sua folha de salários no final do mês, o que é de saudar porque temos de esclarecer uma situação: o nível de remuneratório em Portugal é baixo, é extremamente baixo e, portanto, qualquer rendimento adicional é relevante para as pessoas. Mas se depois pusermos no outro prato da balança o que as pessoas estão a pagar mais em termos de crédito de habitação, hoje é claro que aquela expectativa de que as taxas de juros iriam reduzir lentamente em 2024, penso que é mais ou menos claro que as taxas de juros não têm muitas condições para haver uma grande expectativa de redução ou mesmo para haver redução em 2024. As pessoas vão ter de habituar-se a este nível de juros durante o ano 2024. Portanto, se aí temos um aumento das despesas da esmagadora maioria das famílias portuguesas, se temos um fenómeno inflacionista que também, devido à conjuntura internacional, já vimos que não tem tendência a regredir, pelo contrário, poderá haver aqui mais um incremento inflacionista dependente da evolução da guerra que existe no Médio Oriente. Se depois ainda lhe colocamos mais um aumento do IUC, que embora sendo um imposto indireto é quase um imposto fixo para as pessoas que têm carros anteriores a 2007, a não ser que aquelas pessoas vendam o carro, porque de resto é um imposto que elas não podem não pagar. Enquanto eu fumar ou deixar de fumar, eu consumir ou deixar de consumir é a minha opção, o carro tenho de pagar o imposto e, portanto, ou vendo o carro ou tenho de pagar.
Mas acha que está a ser empolado pela direita como acusa o Governo?
Penso que a questão do IUC é uma questão de justiça e da perceção da injustiça que isso é. Ou seja, primeiro, é injusto, do ponto de vista de princípios estarmos a tributar alguém que tem um bem já relativamente antigo e, portanto, aí também é importante dizer às pessoas que objetivo deste aumento do IUC não é uma questão ecológica, é uma questão de substituir receita de impostos diretos por receita de impostos indiretos e vimos aqui esta situação e vamos aumentar. E depois, no meu entendimento, se fosse do ponto de vista ecológico, então fazia sentido dizer que estas novas tabelas faziam sentido para transações futuras. Eu tinha um carro de 2006 e ia vender o carro de 2006 a outro, o novo proprietário pagaria. Estamos aqui a falar de impostos que não deixam de ter algum carácter retroativo. Penalizam a posse.
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Já disse que está preocupado com o nível da despesa, mas e a taxa do aumento das receitas fiscais? Será mesmo superior ao crescimento da economia?
Existe aqui claramente um risco orçamental, tanto ao nível da despesa como ao nível da receita, mas isso seria com qualquer governo que fosse na atual conjuntura. E, portanto, o nível da receita estará dependente da evolução económica e esperemos que não, mas se houvesse um aumento da inflação acima dos valores que estão programados, se houvesse um aumento do valor do petróleo, obviamente que a redução do consumo se iria dar e a redução dos impostos indiretos também se iria dar. Portanto, do lado da receita existe esse risco. Do lado da despesa, sabemos que a despesa é sempre muito mais rígida, porque está baseada, a maior parte, em salários, em pensões e em prestações sociais, e essa receita é extremamente rígida. Portanto, esperemos que, efetivamente, para o bem-estar de todos, que haja a possibilidade de que algumas perspetivas menos otimistas não se concretizem e seja possível executar este orçamento.
Mas acredita na sustentabilidade da Segurança Social?
Relativamente à segurança social, tenho uma opinião pessoal que não tem nada a ver com a questão da função que exerço, que é: a nossa segurança social é baseada num crescimento do trabalho, da força de trabalho, ou seja, é baseada num aumento do número de trabalhadores que descontam para a segurança social. A partir da altura em que estamos numa sociedade em que existe uma componente de substituição da mão de obra humana por tecnologia, se não arranjarmos outras fontes de financiamento para a segurança social, porque associado a isso depois temos o aumento do nível de esperança de vida das pessoas, não é possível a médio prazo sustentar a segurança social. Mas isto é uma opinião pessoal minha e que se calhar é um pouco contrária às vezes à filosofia e à ideologia. Mas claramente e temos no passado, historicamente, as prestações sociais eram financiadas pelos descontos que todos fazíamos para a segurança social. Se cada vez somos menos a descontar e cada vez somos mais a receber, há ali um desequilíbrio. E, portanto, temos de arranjar outras fontes de financiamento.
Voltando aqui ao orçamento, quem é que ganha e quem perde com este orçamento? Haverá mais justiça fiscal?
Acho que quem perde é a economia, porque este orçamento, relativamente à economia, não tem nenhuma medida de caráter económico, tanto de promoção de investimento, quanto, por outro lado, da promoção da poupança. E esse é o grande déficit deste orçamento. Ou seja, é um orçamento muito focado nas finanças públicas e, portanto, é uma opção que temos de aceitar, mas acho que falta economia. Neste orçamento falta economia. E há sinais contrários. Por exemplo, o acabar com o regime fiscal dos residentes não habituais não é um bom sinal para a economia do país. Sei que pode haver algum sentimento de injustiça quando falamos de comparar os residentes com os residentes não habituais, mas claramente isso vai levar a que outros países possam captar essas fontes de recursos em termos de tributários. E, portanto, acho que esse é um mau sinal, mas, sobretudo, penso que este orçamento deveria ter medidas de caráter económico para promover o investimento, promover o crescimento, promover a economia pura e dura.
Para as empresas este orçamento não está feito à medida? Faltam estímulos, como defendiam as confederações patronais, nomeadamente ao nível do IRC?
Faltam, faltam, claramente. Repare, sabe que as opções orçamentais dependem dos objetivos políticos e, portanto, para lhe dizer uma medida e até mais do que medidas, temos de dizer qual é o nosso objetivo. Acho que o objetivo deveria ser continuar a investir, fazer substituição das importações por produção nacional, continuar a apostar na reindustrialização da nossa economia e, portanto, promover o investimento. Porque o investimento hoje cria emprego e cria riqueza amanhã. E aquilo que o senhor Governador do Banco de Portugal disse é inteiramente verdade, que é, a nossa rede, neste momento, chama-se quase um pleno emprego, é isso que nos está a assegurar a nossa economia e ainda bem que existe quase um pleno emprego, porque se houvesse aqui alguma instabilidade ao nível da taxa de desemprego, poderíamos ter problemas de curto prazo, ainda bem que não temos, mas acho que faltam essas medidas de estímulo ao investimento. Por exemplo, no outro dia disse uma situação, hoje veio uma entrevista relativamente a um responsável de uma confederação que diz que vai nesse sentido, mas porque é que, por exemplo, as despesas com cotizações sindicais são majoradas em sede IRC e porque é que as despesas de investimento, produtivas, substituição, não podem ser majoradas em sede IRC, por exemplo?
Quanto ao fim da tributação sobre os lucros excessivos, há quem defenda que as grandes empresas já suportam uma grande carga fiscal e que não faz sentido a existência desta taxa. Concorda com esta medida ou deveria continuar?
Acho que tudo que seja tributação excessiva vai retirar à economia recursos e vai retirar à economia crescimento. Claro que compreendo essa taxa na medida em que, claramente, houve alguns setores que foram altamente beneficiados, quer pelo fenómeno inflacionista, quer pelo fenómeno do valor dos combustíveis em termos internacionais. E, portanto, essa medida transitória faz sentido, não faz sentido é transformar essa medida transitória numa medida definitiva, porque o caminho não é esse. O caminho é diminuir a tributação global das empresas e não é aumentar a tributação global das empresas.
Mais de 90% do tecido empresarial português é composto por micro, pequenas e médias empresas. Já disse que elas mereciam, se calhar, mais benefícios e um esforço maior para fazer face à concorrência e às condições de mercado para se tornarem mais competitivas. O que é que propõe?
Sabe que as empresas, genericamente, e as micro e pequenas empresas ainda mais, têm uma capacidade de resiliência, uma capacidade de resistência enorme. E o que propunha eram medidas de promoção do investimento a nível de salvaguarda, ou seja, de benefícios fiscais para aquelas empresas que realizassem, efetivamente, investimentos que tivessem consequências ao nível produtivo. E, nesse sentido, seriam beneficiadas por uma redução global da sua taxa de IRC, em termos de taxa de IRC efetiva.
Isto leva-nos aqui a pegar numa questão que é importante, que é a do PRR. Sobre o Plano de Recuperação e Resiliência, a Ordem dos Revisores Oficiais de Contas assinou, em dezembro de 2021, um protocolo com a entidade que gera a execução do PRR, a Estrutura de Missão Recuperar Portugal, para assegurar a fiscalidade dos investimentos.
Disse há dias, numa entrevista à RTP, que nunca foram chamados para essa função. O que é que aconteceu, tanto tempo depois, que não estejam a fazer essa ação?
Deixe-me fazer um enquadramento relativamente ao PRR, genérico, e depois vamos à questão do protocolo. Penso que existe uma perceção coletiva que tem sido uma oportunidade perdida para Portugal, ou seja, o PRR devia financiar, sobretudo, investimentos estruturais para o país, aqueles investimentos extraordinários que o país não tem recurso, normalmente, para fazer e que deveria fazer. Posso dar aqui exemplos, é preciso um hospital, realiza-se os hospitais. Qual é o nosso programa no futuro? Temos falta de água, então porque é que não fazemos várias estações de tratamento e dessalinização das águas como Espanha tem? É estratégico para Portugal ter linhas de alta velocidade, então vamos financiar as linhas de alta velocidade com esses fundos. Estou a dar três exemplos, poderia dar outros. Portanto, o PRR está centrado em entidades públicas quando, no meu entender, devia ter uma maior fatia destinada a entidades privadas, que têm uma capacidade de multiplicação em termos de crescimento económico, mais que nas entidades públicas. E, portanto, esse é o primeiro enquadramento que queria realizar. Segundo, fizemos uma assinatura no protocolo com a Missão de Recuperar Portugal, e a missão é que veio ter connosco, no sentido de levarmos algum trabalho de verificação da execução do PRR e das despesas, a legalidade das despesas. Fizemos, estive há cerca de um ano aqui na TSF, já não me lembro muito bem o que é que disse, mas basicamente fizemos uma bolsa de formadores, cerca de 1400 profissionais disponíveis para fazer essa validação, trabalhar junto da missão, para fazer esse trabalho que não fomos nós que pedimos, foi a missão que veio ter connosco. E assinámos com toda a transparência, e num objetivo de missão, de serviço ao país, conforme fazemos todos os dias, ou seja, a nossa profissão é uma profissão de utilidade pública.
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E esses 1400 profissionais alguma vez cumpriram essa missão?
Não, até este momento ainda não executámos nenhum trabalho ao abrigo daquele protocolo. Ou seja, várias vezes, duas ou três vezes, quando digo várias vezes são duas ou três vezes, a missão veio junto da hora dizer que ia iniciar-se esse processo de execução do protocolo, mas até esta data não fizemos qualquer trabalho nesse sentido, e porque também não nos cabe a nós impormos a nossa presença. A Missão de Recuperar Portugal veio ter connosco, disponibilizámos os nossos serviços, o nosso know-how, e temos um know-how único em termos de classe profissional de validação de despesas públicas, de investimento europeu, e aguardámos serenamente.
Mas não procurou saber o que é que se passa?
Repare, não procurei saber e nem é a nossa missão, nem é o nosso objetivo pressionar. Não. Ou seja, a missão veio junto a nós.
Mas existem 1400 profissionais preparados?
Sim, mas os profissionais trabalham todos os dias em prol e em benefício da economia nacional, fazendo a certificação das demonstrações financeiras e da informação financeira de cerca de 30 mil empresas em Portugal. E essa é a nossa função, validamos projetos de investimento acima de 250 mil euros para que haja uma salvaguarda do cumprimento legal dos investimentos que são realizados, portanto, esse é o nosso serviço, essa é a nossa função, aquela missão era uma missão acessória, que é importante e que mostrámos toda a disponibilidade para exercer.
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E a execução do PRR segue em 17% dos marcos e metas acordados com a União Europeia, no início de outubro o Tribunal de Contas alertou que a execução é significativamente inferior às estimativas que foram apresentadas à União, e já em meados de outubro, Fernando Medina considerou que a execução da chamada Bazuca está a correr ao ritmo absolutamente esperado. Então, quais são as maiores fragilidades nesta execução?
Estamos a falar 17%, partindo do pressuposto que o cheque global eram 16 600 milhões de euros, mas sabemos que neste momento o cheque será 22 200 milhões de euros, portanto, a execução ainda é menor. Espero que o governo português consiga, em 2024, estender o prazo de execução do PRR para lá de 2026, porque claramente o país não vai ter capacidade para executar todo este conjunto de fundos até 2026. Existem constrangimentos da mais diversa ordem e, portanto, era importante o Governo conseguisse acesso à extensão desse prazo de execução, desses investimentos que são importantes. Mas também lhe digo que fico preocupado quando ouço o ministro das Finanças dizer que será um desafio para o país o dia após o término do PRR. Penso que foram estas palavras mais ou menos que ele utilizou. Porque isso quer dizer que o governo está a encarar o PRR como uma receita corrente e não uma receita extraordinária. O PRR devia ser encarado como uma coisa à parte, uma receita extraordinária, que era, como defendo, para fazer aqueles investimentos estruturais e não para andar a tapar buracos de falta de investimento público aqui e ali, na saúde, na segurança social, na informática. Não quer dizer que esses investimentos não sejam importantes e necessários, mas estamos a utilizar uma receita extraordinária para fazer face a investimentos, entre aspas, correntes.
Então concorda com a criação do fundo para depois do fim do PRR?
Mas esse fundo parte de um pressuposto que existe o superavit e se não houver superavit, não há fundo.
E enquanto houver, esse valor é destinado a esse fundo, concorda?
Concordo. Se houver um superavit concordo inteiramente que seja criado esse fundo. Vamos ver é se há superavit, porque os ventos, ainda bem que os ventos têm sido favoráveis, esperemos que continue por muitos anos os ventos favoráveis, mas sabemos que não há mal que sempre dure, nem bem que perdure. Portanto, haverá momentos em que poderemos ter mais alguma dificuldade orçamental e esse excedente orçamental não seja possível de ter e, portanto, não ser possível realizar esse fundo. Mas se houver excedente orçamental, obviamente que concordo.
Está otimista em relação à execução do PRR ou não?
Não, estou muito pessimista. Estou muito pessimista, claramente, já disse, acho que não há capacidade de execução do PRR até 2026, espero que o governo consiga no próximo ano estender a execução do PRR para lá de 2026, sob pena do país perder um conjunto de fundos extremamente relevantes para a nossa economia.
Tem falado da revolução digital como algo positivo para a vossa profissão, que novas tecnologias podem ajudar mais e de que forma a própria inteligência artificial ajudará a aprimorar a deteção e fraudes nas auditorias às empresas. Como é que isso pode acontecer?
A nossa profissão está num mix entre evolução e revolução. Até costumo dizer que estamos num estágio de evolução revolucionária na nossa profissão. Efetivamente o aumento da tecnologia, das tecnologias de informação aplicada aos processos de auditoria é um processo irreversível e crescente e neste momento, nos mais variados setores de atividade, começa a haver programas robôs aplicados à auditoria de análise de dados que depois com instrumentos de análise de inteligência artificial vai levar para outro nível a utilização das tecnologias de informação. Maior eficiência, maior eficácia, sendo que a capacidade de processamento e de análise de dados será muito maior, mas isso não vai roubar em momento algum a necessidade de haver um julgamento profissional por parte do auditor.
Terão de ter mais informação?
Não. O que vai haver é, por um lado, alguns procedimentos que o auditor hoje possa fazer que são de rotina e que deixa de os fazer porque a máquina faz, mas depois há a análise e numa primeira fase é o auditor que vai ter de fazer essa análise desses dados. Costumo dizer que no futuro um auditor não tem de ser e não pode ser exclusivamente um economista, um gestor, um contabilista, vamos ter auditores que terão de ser analistas de sistemas, engenheiros informáticos. Porque hoje, para fazer uma auditoria, tenho de fazer uma auditoria ao sistema informático das empresas. As empresas cada vez são mais complexas, cada vez têm sistemas informáticos mais complexos, as suas operações são mais complexas e, portanto, para validar o output da informação gerada por aquele sistema tenho de fazer uma análise primária ao sistema, para me assegurar de que a informação que sai do sistema é apropriada e é fiável e, nesse sentido, o perfil do auditor do futuro está a mudar e vai continuar a mudar. Isso é uma área que nós, a Ordem dos Revisores, temos ido junto das universidades, junto dos institutos politécnicos, explicar aos finalistas, aos jovens estudantes, o que é ser auditor atualmente. Para tirar aquele mito urbano de que o auditor é aquele profissional que anda sempre cheio de papéis, quase com mangas de alpaca até aos cotovelos. Não! Hoje o auditor tem um microcomputador ligado a uma rede, ligado a uma nuvem e a sua análise é feita, sobretudo, através da utilização de tecnologias de informação. E, portanto, o cinzentismo da nossa profissão hoje não é aderente, hoje a nossa profissão, claramente, é uma profissão moderna, jovem, cheia de incentivos para que jovens profissionais acabados de serem licenciados em Economia e em Gestão possam vir trabalhar em Auditoria, porque vão ter uma experiência única em termos de conhecimento das mais diversas matérias da atividade económica, de gestão e contabilidade.
Mas isso permitiria que não só os de Economia e Gestão acedessem à profissão, mas, por exemplo, ligados às tecnologias de informação possam vir a aceder à profissão?
Sim. Atualmente, o revisor oficial de contas baseia a sua atividade muito na questão das demonstrações financeiras, dos números, mas também aí a realidade vai mudar. Hoje o revisor oficial de contas certifica a informação histórica, as demonstrações financeiras do último balanço aprovado pela empresa, mas hoje os stakeholders exigem muito mais do que isso e, portanto, para mim é um dado irreversível que no futuro o auditor não vai certificar demonstrações financeiras históricas, vai certificar demonstrações financeiras não só históricas, mas perspetivas e integradas. Ou seja, os ESG são uma realidade, isto é, vai ter também de certificar a componente não financeira das demonstrações, das contas apresentadas por uma empresa, portanto, vai ter de certificar a componente social, a componente ambiental, a componente de governance da sociedade, porque isso vai ser exigido pelos stakeholders. E quando estamos a falar de stakeholders, em última análise, estamos a falar do público em geral, que vai exigir e já hoje exige que as empresas tenham, por exemplo, a sua certificação ambiental devidamente plasmada publicamente para fazerem as suas opções. Até vai ser uma condicionante na concessão de crédito. E já é, já existem green bonds e, portanto, essa informação, por exemplo, quem é que depois assegura e certifica que aqueles objetivos ambientais que a empresa disse que ia cumprir aquando da emissão das green bonds, efetivamente são cumpridos? Isso é um trabalho de certificação.
E o setor está preparado ou tem necessidade de mais quantas pessoas já com esse novo perfil?
O setor está preparado, estão a ser devidamente ajustados os seus conhecimentos e o seu know-how nessa matéria e, portanto, o que existe aqui é uma mudança do paradigma da nossa profissão, claramente. Ou seja, deixarmos só de olhar para o passado, para as monstruosas financeiras históricas, mas também olhar para o futuro. E isso, para mim, é uma realidade irreversível. Costumo dizer que o auditor vai ter de olhar para o futuro e não olhar só para o passado. O passado lá está, ainda bem, e é preciso certificar o passado, mas o futuro ainda vai ser mais importante que o passado.
Face à pluralidade de modelos de supervisão existentes nos diversos países da Europa, também tem defendido a existência de um modelo único de supervisão europeu num futuro próximo. Quer explicar-me porquê? Que modelo seria esse? Vem na sequência desse retrato que estava a fazer-nos?
Defendo um modelo único de supervisão a nível europeu para os diversos países, em termos de supervisão da profissão da auditoria. Isso em termos macro. Em termos micro, em termos mais finos, o que é que defendo? Temos no nosso país, ainda mais, mas dois tipos de empresas. Temos as grandes empresas, as muito grandes empresas, aquelas que têm impacto direto e se acontecer alguma coisa às empresas, claramente isso vai ter um reflexo direto na economia, os bancos, as companhias de seguro, as empresas cotadas. Portanto, são empresas que têm um peso significativo e temos as outras empresas. E nas outras empresas, em Portugal, temos microempresas, nas quais os auditores, os revisores oficiais fazem um trabalho notável em termos de tentar que as empresas cumpram com os requisitos legais e a sua tributação necessária. O que defendo é um modelo de supervisão público genérico, mas depois a supervisão pública direta ser concentrada nessas grandes empresas. E depois, nas outras empresas, por exemplo, ser a Ordem, como já hoje faz, a realizar esse controlo de qualidade da atividade e o controlo da atividade desses revisores, sobre a supervisão, obviamente, do supervisor público, no caso português a CMVM. Mas a Ordem está devidamente habilitada, capacitada e empenhada para fazer esse controlo da atividade. Nunca se esqueçam, uma matéria que é muito importante todos percebermos é que na nossa atividade, anualmente, cerca de 20% dos auditores e revisores são objeto de controlo de qualidade. Não há nenhuma profissão que tenha controlo sobre 20% dos seus membros durante um ano. Podem ser médicos, advogados, mas não existe. Portanto, temos um controlo extremamente denso, que tem consequências, ou seja, não é aquele controlo de fazer de conta, tem consequências. Infelizmente, todos os anos temos de chamar a atenção de vários colegas, processos disciplinares, coimas, ou seja, é consequente. E, portanto, o que não percebo, muitas vezes, no nosso modelo de supervisão, é que exista, teoricamente, esta distinção, ou seja, nós fazemos o controlo de qualidade dos revisores que não têm empresas em interesse público, a CMVM faz o controle de qualidade direto das empresas que têm interesse público, embora seja o supervisor geral da atividade da auditoria, e com o qual não estou em desacordo, mas, depois, não consigo compreender como é que as obrigações que a CMVM tem relativamente ao controlo de qualidade sobre os auditores que fazem empresas de interesse público não foram totalmente cumpridas, mas nós cumprimos. E, mesmo assim, a CMVM, muitas vezes, possa sequer pôr em causa o nosso trabalho, que é feito com extremo rigor, isso é que é inaceitável.
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