Ayres de Campos defende que haverá "razões políticas" na origem da sua exoneração
Afastado em junho por questionar "de forma reiterada" as obras no bloco de partos de Santa Maria e a colaboração com o São Francisco Xavier, o antigo responsável pelo serviço de Obstetrícia garante que "sempre" as defendeu, mas queria que fossem "dignas de um hospital universitário numa capital europeia."
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O diretor exonerado do Departamento de Obstetrícia, Ginecologia e Medicina da Reprodução (DOGMR) do Hospital Santa Maria, Diogo Ayres de Campos, admite que "poderá haver razões políticas" que tenham levado ao seu afastamento do cargo e defende que não havia "nenhuma razão técnica ou científica" que levasse a essa decisão.
"Afinal tanto faz as pessoas terem um currículo bom, ou não terem currículo porque politicamente podem ser postas de lado, transmite a mensagem que não vale a pena, de facto, investir no SNS, mais vale ir para outro país onde se respeita mais aquilo que é o percurso das pessoas," lamenta o médico, perante os deputados da Comissão parlamentar de Saúde.
Ayres de Campos sublinha que se trata de "lugares técnico-científicos e não são de nomeação política."
"Para se ser diretor de um departamento, tem de se submeter a um concurso, avalia-se a capacidade técnica, de divulgação científica, de internacionalização, e um hospital universitário como Santa Maria tem de ter essas capacidades presentes. Não havendo razão técnico científica para a exoneração, pode haver provavelmente razões politicas", conclui.
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Ouvido na manhã desta quarta-feira no Parlamento, Ayres de Campos garante que o próprio e Luísa Pinto, que dirigia o Serviço de Obstetrícia e também foi afastada, "sempre defenderam" a construção de um novo bloco de partos, apesar de a sua exoneração ter sido justificada com o facto de estes questionarem o projeto de reestruturação no Hospital de Santa Maria e a colaboração com o S. Francisco Xavier.
Segundo uma nota do Centro Hospitalar Lisboa Norte (CHLN) divulgada no dia 19 de junho, a direção do Departamento de Obstetrícia, Ginecologia e Medicina de Reprodução vinha a assumir posições que, "de forma reiterada, têm colocado em causa o projeto de obra e o processo colaborativo com o Hospital São Francisco Xavier, durante as obras da nova maternidade do HSM [Hospital Santa Maria]".
Agora, Ayres de Campos defende que "é talvez a hipótese mais absurda de todas" a de que tenha sido colocado "algum obstáculo às obras do bloco de partos".
"Se houve pessoas que sempre defenderam esta construção do novo bloco de partos fui eu e a Doutora Luísa Pinto. Desde há cerca de quatro anos que temos estado a trabalhar nesse documento, em inúmeras reuniões com os arquitetos, inúmeras reuniões com a equipa para fazer, de facto, uma sala de partos que seja digna de um hospital universitário numa capital europeia", assinalou o médico, que acrescentou ter colaborado com o anterior Conselho de Administração do hospital na "justificação do financiamento dessas obras".
Perante os deputados, o especialista retomou os alertas deixados em carta sobre os eventuais riscos da deslocação de equipas médicas e de grávidas de Santa Maria para o hospital São Francisco Xavier, dado que "não há estação de metro, autocarros são dois, e é uma hora de viagem".
Ayres de Campos defende que cabia à sua direção "levantar esse problema" para que depois os decisores políticos pudessem decidir "se é ou não um problema que é ultrapassável", acrescentando que, do que sabe, "não está nada planeado para haver transporte entre as duas instituições de utentes".
Outro problema prende-se com a "diminuição da resposta conjunta dos dois hospitais", dado que as camas são "11, duas a menos do que seria necessário" para o número de partos a realizar. "Mas mais preocupante é que não termina com o parto, não é? Depois é preciso alojar a mãe e o recém-nascido naquilo que chamamos enfermaria do pós-parto", e aqui há outro problema identificado: "A enfermaria do pós-parto do hospital de São Francisco Xavier tem menos 16 camas do que deveria ter para a acumular cinco mil partos/ano, ou seja, há uma redução de cerca de 25% na resposta conjunta, o que provavelmente irá levar a maior sobrelotação das instalações."
O plano para a resposta de Obstetrícia e Ginecologia traçado pela Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde prevê que, enquanto o bloco de partos do hospital de Santa Maria estiver fechado para obras - nos meses de agosto e setembro - os serviços fiquem concentrados no Hospital S. Francisco Xavier (Centro Hospitalar Lisboa Ocidental), que encerrava de forma rotativa aos fins de semana e, a partir de 1 de agosto, volta a funcionar de forma ininterrupta sete dias por semana.
Neste momento em que decorre um braço de ferro, com 43 médicos do Santa Maria exigirem a intervenção do ministro da Saúde para o regresso dos dois profissionais exonerados, Ayres de Campos alerta para a possível rescisão de alguns destes médicos.
"Muitas pessoas manifestaram a sua vontade que, se não houver uma reversão, de pedir a rescisão do contrato e encontrar outros locais do SNS, ou privados," avisa o médico considerando que "um serviço universitário, um serviço de referência com um grau de internacionalização muito grande está em causa neste momento."
"Já não dá a resposta, está sempre em contingência e não recebe grávidas, mantém a porta aberta em condições de segurança que não são no mínimo dúbias," alerta.
Na próxima semana, os deputados vão ouvir as razões da administração do Hospital Santa Maria.