Casal de refugiados sírios atravessa Mediterrâneo em bote e hoje dá emprego a portugueses

TSF
Shadi e Baraa chegaram cá há oito anos e meio. Conseguiram abrir um restaurante e uma engomadoria na Estrada de Benfica, em Lisboa. "Vou ter muitas mais lojas para ajudar os portugueses. Portugal ajudou-me, agora é a minha vez", conta Shadi Al Rahabi, no programa da TSF A Distância Que Nos Aproxima
Ele era perfumista na Síria. Ela, professora de matemática. Ainda aguentaram cinco anos de guerra civil e vida insustentável sob o autoritário regime de Bashar al-Assad. Em 2016, deixaram a cidade de Deir ez-Zor com duas crianças. Para trás fica uma casa de portas abertas e recheio disponível para quem quisesse. Quem saía, já não seria bem-vindo pelo regime da família que governou o país durante 53 anos. Corriam o risco de juntar os nomes à lista de meio milhão de mortes, desde que a guerra eclodiu em 2011.
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Shadi Al Rahabi e Baraa Alfetouri chegam a Lisboa em abril de 2017. Com pouco mais que nada. Nas costas, uma perigosa travessia do sudeste da Síria para a região de Alepo, de onde seguiram para a Turquia, onde começava o verdadeiro perigo: atravessar o mar mediterrâneo nas frágeis embarcações insufláveis que têm sido caixões para tanta gente. "No dia anterior, três barcos viraram e morreram afogadas cento e tal pessoas", conta Shadi. "Mas não podíamos voltar para trás, já nem sequer tínhamos dinheiro."
A família ficou ano e meio na Grécia, a aguardar que a organização EASO, ao abrigo do programa europeu de relocalização de refugiados, lhe arranjasse um destino. Portugal estava no fim da lista, mas escolheram este país porque Shadi leu no Facebook que os portugueses aceitavam refugiados sírios. E porque Baraa conhecia Cristiano Ronaldo. Ela começou por ser ajudante de cozinha e ele encontrou emprego numa lavandaria no Centro Comercial Colombo. Hoje, têm negócios próprios em ambos os ramos - o restaurante Baraa Kitchen, de comida síria, e a lavandaria e engomadoria Damasco, separados por doze números de porta na Estrada de Benfica.
"Sinto-me respeitado pela comunidade, gostam de nós no bairro e nunca nos sentimos estrangeiros aqui", diz Shadi Al Rahabi, que admite ter hoje mais amigos portugueses do que sírios.
Até porque muitos dos amigos sírios morreram devido à guerra. Tem uma ajudante na lavandaria e Baraa empregou um casal de sexagenários bracarenses, que a vida também obrigou a mudarem-se para Lisboa. "Eu aqui não tenho pai, não tenho mãe... a senhora Fernanda é como se fosse minha irmã mais velha", admite a chefe do Baraa Kitchen, muito grata às pessoas a quem deu uma oportunidade e a quem não chama empregados, mas antes colegas.
Os filhos de Baraa e Shadi falam árabe, mas escrevem em português. Chegaram antes da idade escolar e cresceram em português. Amina, a filha mais nova, já nasceu em Lisboa. "Temos muitos projetos futuros e queremos continuar a contribuir para o país que nos acolheu", confessam. Shadi vai abrir uma nova lavandaria na zona de Telheiras, no início de 2026 - altura em que também tenciona regressar à Síria para visitar a família. Nunca saiu de Lisboa desde que chegou. Todos os dias são de trabalho. Engoma mais de 200 peças de roupa por dia. A 29 de fevereiro próximo passam dez anos desde que deixou o país. Com o novo regime de Ahmed al-Sharaa, estas viagens já são possíveis. A TSF recorda Shadi que o Presidente que tomou o poder há um ano é o mesmo Abu al-Julani, ex-rebelde e combatente que já foi um emir ligado à Al-Qaeda.
"O povo gosta dele, mas se se ligar a grupos extremos, não vamos tolerar isso. O povo que conseguiu tirar al-Assad consegue tirar todos. Agora já temos experiência", admite entre sorrisos e esperança.
A Distância Que Nos Aproxima é um programa da TSF com relatos em português de imigrantes integrados na sociedade. A cada emissão, uma nação de origem. Na TSF aos domingos às 11h00, em podcast e em permanência em tsf.pt.
