Crise na saúde. Diálogo "é possível, desde que" carreiras médicas se tornem mais "atrativas"
O especialista em medicina geral e familiar Vítor Ramos explica, em declarações à TSF, que as "novas gerações de médicos" têm "expectativas diferentes das antigas" e denuncia um "défice de planeamento", que também tem contribuído para a crise na saúde.
Corpo do artigo
O presidente do Conselho Nacional de Saúde, Vítor Ramos, defendeu esta sexta-feira que para evitar um cenário crítico nos hospitais nos próximos três anos, dada a escassez de recursos humanos, é necessário, até 2026, a "boa vontade dos médicos", mas também o compromisso de reestruturação das carreiras.
"Vou estar a apelar outra vez à boa vontade que se esgotou, porque o que acontece é que os médicos, em relação às horas extraordinárias, aguentavam isto de boa vontade", adianta, afirmando que é urgente reestruturar "novamente" as carreiras médicas, para que se tornem atrativas - algo que o autor do livro "77 Vozes pela Nossa Saúde", editado este ano pelo ISCTE, considera que "deixaram de ser".
TSF\audio\2023\10\noticias\06\victor_ramos_bom_senso
"As condições de trabalho poluem o ambiente organizacional, essa cultura de envolvimento, de participação, até um sentido de missão. Se os profissionais são tratados - não é só deste Governo, é uma coisa que foi deslizando - como meros peões ou peças, isto vai desgastando a pouco e pouco. Agora, é possível voltar a falar, desde que haja um novo compromisso de transformar as carreiras médicas, são fundamentais", sublinha, em declarações à TSF.
O especialista em medicina geral e familiar defende que as dificuldades sentidas não são um fenómeno recente, na verdade, explica, começaram nos anos 80, mas têm vindo a intensificar-se ao longo dos anos, acrescentando ainda que durante 17 anos, até 1997, formaram-se médicos aquém das necessidades do país e que o Sistema Nacional de Saúde foi aguentado pelo excedente de clínicos que havia até então.
"As novas gerações têm expectativas diferentes das antigas"
Vítor Ramos refere também que as novas gerações têm outras aspirações, afirmando que Portugal está perante um novo fenómeno demográfico, já que há cada vez mais mulheres médicas.
TSF\audio\2023\10\noticias\06\victor_ramos_solucoes_emergencia
"Hoje em dia, a maior parte é população feminina, jovens, mulheres na idade fértil, que têm os seus filhos, que amamentam. Em alguns países, o fenómeno é parecido e, no planeamento, dois ou três contam por um", avança, esclarecendo que este é um fator que é preciso ter em conta.
"Por outro lado, as novas gerações têm expectativas diferentes das antigas: querem mais flexibilidade, têm outros valores na vida. Eu penso que vai haver entendimentos com a Ordem dos Médicos e a Direção Executiva e os sindicatos e o Governo. A situação da demografia média começa a atenuar-se a partir de 2026, portanto, de agora até 2026 é preciso encontrar soluções de emergência", afirma.
"Nós temos um défice de planeamento"
Sobre a atual situação de rutura nos hospitais, Vítor Ramos considera que, mais do que encontrar responsáveis ou "malandros", é preciso melhorar o planeamento.
TSF\audio\2023\10\noticias\06\victor_ramos_culpa_morre_solteira
"Há aqui um conjunto de acumular de decisões menos fundamentadas. O que é que adianta estar a encontrar o malandro? Isso não resolve problema nenhum", atira, insistindo na premissa de que o problema atual resulta de um conjunto de medidas que alguns líderes "que, sem maldade, sem querer, ou com pouca informação técnica" pensaram estar a tomar as decisões certas.
TSF\audio\2023\10\noticias\06\victor_ramos_saude_24
"Nós temos um défice de planeamento, antes havia um departamento de planeamento do Ministério da Saúde, o planeamento ficou muito fragilizado. No Governo de Maria de Lourdes Pintasilgo - estamos a falar em dezembro de 1979 - houve um decreto-lei para construir algo parecido com a Direção Executivo que agora existe. De 1979 para 2022, aconteceu muita coisa", ressalva.
"Há uma determinada forma de utilizar os serviços e isso não se muda de um dia para o outro"
Do ponto de vista do utente, Vítor Ramos reconhece o desnorte da população, que muitas vezes não sabe onde se dirigir perante o encerramento das unidades médicas, nomeadamente de urgências e, por isso, avança que "a regra em todas as circunstâncias" deveria ser recorrer primeiro à linha de saúde 24 ou ao INEM.
"Ir pelo próprio pé - salvo raríssimas exceções - não faz sentido em serviços de urgências, em nenhum país. Mas é verdade que há uma determinada forma de utilizar os serviços e também isso não se muda de um dia para o outro, nem se pode culpar a população porque é a porta que está aberta, obviamente. Não é uma solução mágica", remata.