Inspirado no Estado Novo? Bispo português critica selo da JMJ "acentuadamente nacionalista"
Selo coloca o papa Francisco no lugar do Infante D. Henrique no Padrão dos Descobrimentos e tem sido alvo de críticas. Carlos Moreira Azevedo questiona, na TSF, o "motivo de inspiração".
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"Parece-me de muito mau gosto." É sem grandes dúvidas que o bispo português Carlos Moreira Azevedo, delegado do Comité Pontifício para as Ciências Históricas, avalia na TSF o selo comemorativo da Jornada Mundial da Juventude.
Foi esta segunda-feira que o Vaticano apresentou um selo inspirado no Padrão dos Descobrimentos, com a imagem do Papa Francisco no lugar do Infante D. Henrique e jovens no lugar dos navegadores, um deles agitando a bandeira de Portugal.
A imagem foi mal recebida nas redes sociais, com alusões às semelhanças entre o selo e a linguagem gráfica do Secretariado de Propaganda Nacional do Estado Novo e do colonialismo.
Em declarações à TSF, o bispo Carlos Moreira de Azevedo assinala o "muito mau gosto" do selo, "não só gráfico", mas também no "motivo de inspiração".
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"É polémico e acentuadamente nacionalista para um evento que tem um caráter extremamente universal", critica, antevendo que o papa Francisco "não gostará de se ver envolvido em algo que não tem nada a ver com a sua atitude".
Questionado sobre as parecenças da imagem do selo com as dos antigos manuais da educação primária durante o Estado Novo, o bispo confirma-as, referindo-se a estas como uma "base de inspiração muito má".
"A execução gráfica também não parece ser de grande nível", comenta, criticando também a "forma" como o papa é colocado "ali à frente do grupo".
"Não parece nada ser o espírito do papa, que gostava de estar à volta das pessoas, envolvido por pessoas, e não assim naquele modelo", lamenta.
Carlos Moreira de Azevedo espera que os Serviços Filatélicos do Vaticano possam "rever ainda, se puderem ir a tempo", o selo.
O desenho do selo, lançado conjuntamente com um carimbo comemorativo, com o logótipo da JMJ, é da autoria de Stefano Morri.
"Da mesma forma como o timoneiro D. Henrique lidera a tripulação na descoberta do novo mundo, assim também no selo do Vaticano o Papa Francisco conduz os jovens e a Igreja", explica uma nota publicada no site de notícias do Vaticano, Vatican News.
Já esta terça-feira, a organização da Jornada Mundial da Juventude esclareceu que o selo comemorativo apresentado pelo Vaticano visa apenas "promover" o encontro de jovens com o Papa, afastando leituras que o identifiquem com o Estado Novo ou o colonialismo português.
A organização da Jornada Mundial da Juventude de Lisboa 2023 recusou esta terça-feira, em declarações à TSF, ter responsabilidades no desenho do selo comemorativo do evento emitido pela Cidade do Vaticano.
"A organização da JMJ não tem responsabilidade sobre esta iniciativa. Independentemente das opiniões - que ainda bem que existem porque vivemos num país democrático -, isto é uma emissão especial de um selo da responsabilidade do Vaticano, com o objetivo de promover a Jornada Mundial da Juventude de Lisboa 2023. Isto foi uma iniciativa da Santa Sé, como muitas outras", defendeu Rosa Pedroso Lima, porta-voz da JMJ, assegurando que a organização do evento "não tem a pretensão de interferir nas decisões do Vaticano".
A organização do evento foi informada deste selo, mas considera que não lhe compete duvidar da intenção de quem o criou.
"O ilustrador, que já é habitué na produção de materiais e peças de ilustração dos selos da Cidade do Vaticano, escolheu um monumento nacional que representa e simboliza, na sua opinião, Lisboa e, de acordo com a descrição que nos foi enviada e a todos os órgãos de comunicação social pelo Vatican News, o objetivo é desenhar o Papa guiando os jovens e a Igreja para uma nova época e aquilo que representa simbolicamente o Padrão dos Descobrimentos, numa alegoria à barca de São Pedro. Estes são os objetivos e as intenções expressas pelo Vaticano. Não nos compete a nós duvidar dessas intenções", explica Rosa Pedroso Lima.
O selo em causa tem um valor facial de 3,10 euros e uma tiragem de 45 mil unidades.
Já o carimbo comemorativo, em formato circular, que representa o logótipo oficial da JMJ de Lisboa, será usado pela agência dos correios "Arco delle Campane" (na Praça São Pedro) hoje e quarta-feira.