Elevador da Glória: "Falhou tudo o que podia falhar, desde a escolha à montagem do cabo"
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O presidente do Colégio de Engenharia Mecânica da Ordem dos Engenheiros considera que a “evidência mais grave” apontada no relatório preliminar sobre o descarrilamento do Elevador da Glória é o facto de o cabo utilizado não estar certificado para transportar pessoas. Em entrevista à TSF, Carlos Neves critica a falta de supervisão na escolha e montagem do cabo.
"O cabo usado não é adequado para ascensores que têm destorcedores no sistema de fixação. Ora, o ascensor da Glória tem destorcedor. Portanto, aquele cabo nunca poderia ser usado no elevador da Glória. Isso é dito de forma muito clara no relatório do Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários (GPIAAF)", defende.
Para o engenheiro mecânico, "as responsabilidades são óbvias, em primeiro lugar é do operador que é a Carris, e em segundo é de quem montou o cabo, que, presumo, seja a empresa de manutenção".
Carlos Neves defende também que o relatório do Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes Ferroviários evidencia falhas técnicas operacionais em toda a linha, "desde a escolha até à montagem do cabo", e também "porque deixou de haver supervisão".
A nota informativa preliminar sobre o acidente, divulgada em setembro, já identificava um problema, que, na opinião de Carlos Neves, é mais grave: o facto de o ascensor da Glória não ter sistema de travagem redundante.
A supervisão é importante e não é só na inspeção periódica. É, sobretudo, no momento crítico do sistema. Uma vez que não tem redundância de travagem, e a Carris sabe disso, a mudança do cabo é o momento mais crítico da manutenção. Não só a escolha do cabo deve ser supervisionada por uma entidade terceira, para saber se o cabo está de acordo com a especificação, como depois deve ser supervisionado todo o procedimento da montagem
O elevador da Glória é classificado Monumento Nacional, o que, na prática, dispensa a supervisão da Autoridade Nacional de Segurança Ferroviária e do Instituto da Mobilidade e dos Transportes e merece críticas do presidente do Colégio de Engenharia Mecânica da Ordem dos Engenheiros.
Confundir monumentos nacionais ou património nacional dos museus com sistemas de mobilidade que transportam milhões de pessoas é um erro grosseiro. Uma coisa é eu dizer que os museus não precisam de ter, por exemplo, a certificação energética que têm as normais habitações quando queremos fazer uma transação ou alteração à estrutura, mas isso é um museu, outra coisa é um equipamento de mobilidade que, no ano passado, transportou mais de três milhões de pessoas. Não estamos a falar da mesma coisa quando aliviamos a supervisão
"O poder legislativo tomou uma atitude irresponsável e também deve ser chamado à colação quando, do ponto de vista mais amplo, forem apuradas as responsabilidades", sublinha.
Carlos Neves subscreve o relatório do GPIAFF, que defende que os ascensores só devem retomar o serviço com uma garantia técnica de que o sistema de segurança funciona bem.