A sustentabilidade da vida no planeta depende de uma mudança radical de paradigma: "uma máquina económica diferente, que não seja movida a ganância".
Corpo do artigo
O professor bengalês Muhammad Yunus, vencedor do Prémio Nobel da Paz em 2006, defende que "se queremos erradicar a pobreza temos de mudar o sistema".
"A pobreza não é criada pelos pobres, não é culpa das pessoas pobres, é criada pelo sistema (...) que está concebido para levar todos os recursos de baixo para cima - com o topo cada vez mais pesado, na mão de cada vez menos pessoas."
Em declarações esta sexta-feira no Fórum Sustentabilidade e Sociedade, em Matosinhos, o fundador do Grameen Bank (banco da aldeia, numa tradução à letra), o primeiro banco do mundo especializado em microcrédito que ajudou milhões de pessoas a sair da pobreza por não exigir garantias, explica como concebeu esta ideia:
"Olhei para os bancos do Bangladesh e depois de perceber como funcionavam fiz exatamente o oposto (...) Eles vão aos ricos - eu vou aos pobres, eles trabalham com homens - eu trabalho com mulheres, eles têm a sua sede nas grandes cidades - eu criei o banco nas zonas rurais."
Outro aspeto importante: o Grameen Bank não tem advogados, mas o seu sucesso prova que "é possível ter atividades de banca sem garantia", diz Muhammad Yunus.
Qual é o segredo? "Crédito significa, no fundo, confiança. Os bancos basearam o seu negócio na desconfiança, mas eu voltei às origens. Criei um sistema que se baseia na confiança".
O Grameen Bank teve origem no Bangladesh mas já existe em vários países, incluindo em 35 cidades nos Estados Unidos, onde ajuda sobretudo mulheres imigrantes ilegais. Nestes casos, além de não exigir garantias, também não exige que os requerentes de crédito apresentem documentação. "Imaginem pessoas tão desesperadas por 500 dólares que não tem a quem pedir ajuda se não a máfias", arriscando "ficar com as pernas partidas" se não pagarem.
No sistema atual, "empresta-se dinheiro às pessoas que já tem muito dinheiro e não às pessoas de que mais precisam", condena Muhammad Yunus. É preciso uma inversão, defende, "queremos uma máquina económica diferente, que não seja movida a ganância".
Foi essa máquina que criou o aquecimento global, aponta, "com a nossa mentalidade errada, com as nossas instituições erradas, como bancos", e é esse sistema que provoca a morte de milhões de pessoas em todo o mundo.
"Mesmo quando é uma questão de vida ou de morte [as grandes empresas] escolhem o lucro em vez da vida", lamenta Muhammad Yunus, dando como exemplo a pandemia, "onde 80% da produção de vacinas foi para 10% dos países sortudos em todo o mundo" quando podiam ter sido produzidas localmente se as farmacêuticas abdicassem a propriedade intelectual.
E no caso da guerra, o mesmo paradigma: "Temos um grande orçamento para a defesa mas temos um orçamento para a paz?", questiona. "Temos uma indústria bélica de fabrico de armas, mas temos uma indústria de paz?" "Esta é a nossa mentalidade: falamos da paz mas investimos nas guerras", acusa. Não existe um "Ministério da Paz".
Para Muhammad Yunus, o poder de mudar o sistema recai sobre os jovens. "Nenhuma outra geração teve tanta tecnologia disponível, são humanos com superpoderes, se decidirem fazer alguma coisa vão conseguir".
"Tem apenas de tomar uma decisão, fazer uma escolha, apela. "A sustentabilidade da humanidade neste planeta" depende disso.