"Falta vontade política." Presidente dos administradores hospitalares diz que é urgente alterar organização do SNS
APAH defende que têm de ser outros profissionais de saúde e não os médicos a começar a acompanhar doentes crónicos estáveis. Considera que esta é "uma medida imprescindível para garantir a sustentabilidade do SNS nos próximos anos"
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"Porque não realocamos os nossos profissionais aos doentes de uma outra forma? Os nossos enfermeiros, os nossos fisioterapeutas, os nossos psicólogos, os nossos farmacêuticos?", questiona na TSF Xavier Barreto, presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares (APAH).
Perante os dados da Entidade Reguladora da Saúde (ERS), - que apontam para quase um milhão de pessoas à espera por uma primeira consulta nos hospitais públicos no primeiro semestre deste ano, mais 25% em relação ao mesmo período do ano passado, e metade além dos tempos máximos previstos -, o presidente daquela associação considera ser imperioso mudar a organização do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Xavier Barreto não se mostra surpreendido com estes números conhecidos esta sexta-feira, pois sublinha que o envelhecimento da população portuguesa está a ter como consequência a necessidade cada vez maior de cuidados de saúde. No entanto, lembra que a associação a que preside, quando foi chamada a dar sugestões para o Plano de Emergência e Transformação da Saúde, indicou que outros profissionais que não os médicos podiam contribuir para diminuir as listas de espera para as consultas, "tal como é feito noutros países", e deixar para os médicos as primeiras consultas.
"Porque é que não temos todos estes profissionais a contribuir mais para o acompanhamento dos nossos doentes crónicos numa série de situações, e focamos mais os médicos nos locais onde eles podem acrescentar mais valor, nomeadamente a fazer novos diagnósticos e a definir novos planos terapêuticos para os nossos doentes? Isso não está a acontecer"
O dirigente hospitalar lamenta que haja muito mais doentes à espera de consultas, além do que é clinicamente adequado, e argumenta que "os hospitais estão a trabalhar mais e a fazer mais consultas". No entanto, "na organização da relação entre hospitais e centros de saúde, na organização até dos profissionais de saúde e daquilo que eles fazem dentro dos hospitais, nada mudou e isto é verdadeiramente incompreensível", acusa. Questionado sobre se é uma falha na organização do SNS, Xavier Barreto não tem dúvidas: "Eu acho que é uma falta de vontade política, claramente."
"Compete ao Governo dar este passo", acentua.
Xavier Barreto elogia a secretária de Estado da Saúde, Ana Povo, por ter feito um despacho no sentido de haver mais enfermeiros, mais farmacêuticos e repensar as respostas aos doentes crónicos, aliviando os médicos desses serviços. "Esse despacho, infelizmente, foi muito criticado por uma série de profissionais e de organizações, e acabou, provavelmente, por não avançar como devia avançar", lamenta.
"Tudo aquilo que implica mudança é naturalmente assustador para muita gente, as pessoas acham que vão ter o seu papel colocado em causa, não é disso que se trata", assegura. "Ninguém quer colocar outros profissionais a fazer o papel do médico, isso seria um absurdo, o papel do médico é único e insubstituível", sublinha igualmente. "Do que nós estamos a falar é de colocarmos os profissionais nas posições, nos percursos, no contacto com os doentes, da forma em que possam acrescentar mais valor", acrescenta.
Xavier Barreto critica também o desinvestimento que está a acontecer no SNS e diz-se preocupado com o Orçamento do Estado (OE) para 2026. "Este ano, mais uma vez, o Governo não vai investir o que estava previsto no Serviço Nacional de Saúde, vai ficar muito abaixo disso. Foram previstos mais de 800 milhões de euros, vai executar pouco mais de 500", critica.
"O Orçamento do Estado do próximo ano prevê uma redução da despesa corrente em saúde, o que é muito preocupante. Quando o PIB aumenta 2,5%, 2,7%, e a despesa em saúde, a despesa corrente, cai 1,5%, acho que é um mau sinal", denuncia.
O presidente da APAH considera que este desinvestimento vai trazer consequências em termos de condições de trabalho e atratividade dos profissionais e acentua que o Serviço Nacional de Saúde está a fazer um "esforço tremendo" e todos os anos aumenta a sua produção. "Devia haver aqui um sinal claro de aumentar a despesa em saúde, pelo menos em proporção do aumento que vai existir no PIB", sugere.