Frente Cívica condena classificação de documentos da comissão de inquérito à TAP e "ralhete" a deputados
Para João Paulo Batalha, só há um motivo para sonegar informação à opinião pública: evitar um "embaraço político" do PS.
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O vice-presidente da associação Frente Cívica, João Paulo Batalha, considera que o presidente da comissão parlamentar de inquérito (CPI) à TAP tem de explicar a classificação dos documentos entregues pelo Governo.
Isto depois de o presidente da comissão de inquérito à TAP, Jorge Seguro Sanches, ter considerado esta quinta-feira que a divulgação de informações confidenciais em órgãos de comunicação social é um "ataque ao coração da democracia" e que merecerá punição exemplar de responsáveis.
Em declarações à TSF, João Paulo Batalha considera que não faz sentido esconder estes documentos, uma vez que não existe risco de comprometer o trabalho da comissão de inquérito. O único constrangimento é político, defende.
"Eu percebo que seja embaraçoso para o Governo e para o Partido Socialista ver estes documentos revelados. Sinceramente, não vejo que haja um grande problema, a não ser que alguém me demonstrasse que a revelação estes dados ou destes documentos impeça a CPI de fazer o seu trabalho e não vejo como."
Isto depois de ter sido revelado que, segundo os documentos a que a SIC e CNN Portugal tiveram acesso, o PS e a ex-CEO da TAP terão combinado as perguntas que o deputado Carlos Pereira devia fazer e as respostas que Christine Ourmières-Widener devia dar na audição no Parlamento.
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"Há ocasiões em que a revelação de dados ou documentos pode impedir a obtenção de outro tipo de provas. Não vejo que seja o caso aqui e, portanto, acho sempre útil que a opinião pública seja informada do que se está a passar, quer no andamento dos trabalhos, quer naquilo que os trabalhos estão a investigar, que é o que se passou na TAP e a relação entre a TAP e o Governo."
"É sempre melhor termos informação do que não termos", defende João Paulo Batalha, questionando ainda a legitimidade de Jorge Seguro Sanches para questionar as ações de deputados.
"Sinceramente, não me parece que faça parte das funções do presidente da CPI estar a tomar uma posição política sobre a conduta dos deputados. Se essa conduta não estiver a violar nenhuma lei, nem nenhum regimento parlamentar."
"Isto pode ser embaraçoso para o Governo, mas isso não dá ao presidente da comissão, que tem alguns deveres de isenção, a capacidade de dar ralhetes aos deputados. A não ser que seja capaz de explicar quais foram as leis que eventualmente foram violadas", condena.
Independentemente de o regulamento especificar que a informação classificada remetida à comissão não pode ser reproduzida ou publicada, João Paulo Batalha defende que não estão em causa segredos de Estado.
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"O que me parece é que não está minimamente demonstrado é que esse tipo de classificação se aplique legitimamente a documentos que têm a ver com a gestão da TAP e a colisão entre a tutela governamental e a empresa pública. Não vejo nenhuma razão para que essa informação esteja classificada e, portanto, estar a querer aplicar regras sobre sigilo e documentação classificada neste contexto sobre esta informação, nesta comissão de inquérito, parece-me seguramente mal explicado e potencialmente abusivo."
"Antes de pedir responsabilidades, seja a deputados, seja a funcionários parlamentares, era importante que o presidente da comissão explicasse ao país porque é que esta documentação está classificada, qual é exatamente a classificação legal jurídica que tem que impeça a sua divulgação e porque é que está classificada de forma a que os portugueses não possam ter acesso a ela."
"Não parece haver aqui nada de interesse nacional que justifique que esta informação não seja do conhecimento dos portugueses", reforça João Paulo Batalha. "Percebo o interesse político de conter os estragos dos muitos problemas que têm existido na relação entre o Governo e a TAP, mas para além da contenção política, não encontro verdadeiramente justificação para este tipo de informação estar classificada."
O presidente da Frente Cívica admite que a divulgação do conjunto de documentos até pode prejudicar o Governo num eventual processo na justiça pelos presidentes da TAP demitidos, mas insiste que os portugueses têm o direito de saber o que passa na companhia aérea.
"Eventualmente pode dar armas às pessoas que estão a preparar para litigar contra o Estado", como Christine Ourmières-Widener, "e, portanto, isso pode ser uma razão para o Governo tentar esconder esses documentos", nota. No entanto, "não configuram um parecer formal."
"Haver questões que são de índole política, nomeadamente discussões entre os ministérios sobre a solidez da fundamentação jurídica não parece que tenham um impacto judicial, são embaraçosas politicamente, mas na verdade, o que os tribunais vão ver é se há uma fundamentação legal ou não, alguma fundamentação legal [para demitir a administração da TAP] e isso é até independente dos ministérios terem demorado ou não terem demorado a pôr-se de acordo."
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"E mesmo que venha a prejudicar o Estado, se for uma pessoa de bem não pode querer litigar contra pessoas que estão a interpor um processo contra o Estado sonegando informação, porque num tribunal, mesmo que seja para discutir um despedimento, o que interessa é conhecer a verdade", aponta João Paulo Batalha.
"Dificilmente o Governo pode dizer que é do interesse nacional sonegar informação quer aos portugueses, quer às próprias autoridades judiciais."
Na semana passada, a ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, e a ministra dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, invocaram o interesse público para justificar a não divulgação do parecer jurídico para fundamentar a demissão por justa causa da anterior presidente-executiva da TAP, uma vez que "a sua divulgação envolve riscos na defesa jurídica da posição do Estado".
Já o ministro das Finanças, Fernando Medina, afirmou que não há "nenhum parecer adicional" a fundamentar a demissão DE Christine Ourmières-Widener, além do que resulta do relatório da Inspeção-Geral de Finanças (IGF).
E esta terça-feira, numa entrevista à RTP, foi a própria ministra Mariana Vieira da Silva a revelar que o Governo iria entregar a documentação à CPI. Menos de 24 horas depois, a SIC e CNN Portugal divulgaram parte dos documentos.