Governo "pode tentar criar incentivos fiscais ao aumento de salários no curto prazo"
Especialista português explica que a subida das taxas de juro e dos pagamentos a elas associados "só é um problema se os rendimentos não subirem", pelo que deve abrir-se caminho para aumentos.
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O economista Gonçalo Pina, professor associado da ESCP Business School, em Berlim, defende que o Governo deve procurar aumentar salários e dar incentivos fiscais às empresas que o façam, como forma de aliviar o esforço das famílias no pagamento de créditos à habitação no atual cenário de subida das taxas de juro. Em entrevista à TSF, assumiu-se surpreendido com a decisão do Banco Central Europeu de promover a décima escalada consecutiva, em especial pela forma como aconteceu.
"Aumentaram ao mesmo tempo que parecem sugerir que fazem uma pausa. Olhando para as reações das taxas de câmbio e dos mercados de dívida, parece que estas pessoas agora esperam que isto cause uma recessão ou, ao mesmo tempo, esperam que na próxima reunião já comecem a pausar as taxas de juro", sinais de que a decisão do banco central "não está a ter um efeito muito consistente".
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Gonçalo Pina explica que, se a aposta é na continuação da subida das taxas de juro, seria melhor que o BCE enviasse uma "mensagem unificada" nesse sentido, até porque os sinais de que a economia europeia está a abrandar "sugeriam que se pudesse pausar já, o que parece até consistente com o que o mercado estava à espera".
O especialista em Finanças Internacionais, Macroeconomia e Economia Comportamental admite que o Governo português não pode fazer muito perante este cenário, mas defende que se deve apoiar quem se encontra em situação mais difícil perante o crédito à habitação ou corre o risco de perder a casa.
Para já, o cenário é o de uma inflação alta, mas com taxas de juro ainda abaixo desta - ou seja, "as taxas de juro reais, depois de tirar da inflação, ainda estão negativas, situação que temos tido nos últimos 15 anos".
Assim, "desde que os salários cresçam, acompanhem e recuperem agora um bocadinho do poder de compra em relação à inflação, não é necessariamente uma situação muito, muito má", apesar de quem tem créditos à habitação com taxas de juro variáveis estar "a ver as contas a aumentar".
E porque quando há inflação nas economias os preços sobem, Gonçalo Pina defende que um outro preço - os salários, que "também são preços", também devem subir para ajudar a pagar as contas "maiores". Para isso "pode-se flexibilizar ao máximo os salários no sentido de que, quando puderem ser aumentados, sejam aumentados".
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O Governo "pode tentar criar incentivos fiscais a aumentar salários no curto prazo, só para ajudar no ajustamento. Mas, só por si, as contas estarem a subir só é um problema se os rendimentos não subirem", atira.
A subida das taxas de juro é uma medida "claramente muito impopular", pelo que é preciso equilibrar a balança com "políticas que sejam o mais direcionadas possível, que resolvam problemas reais e não políticas que nos façam sentir bem hoje, mas que façam com que o problema em 2024 continue lá".
Para já, avisa, "o BCE não vai parar, porque se perder a credibilidade acabou o jogo e não consegue nunca mais controlar a inflação. Vão continuar a manter as taxas de juro enquanto a inflação não estiver controlada. Por outro lado, os governos da zona euro, quanto mais combaterem isso, mais difícil vai ser o ajustamento e mais longo vai ser este processo inflacionário.
A solução, defende, passa por "políticas direcionadas a problemas reais" ainda que possam não afetar toda a gente e não tenham "os efeitos eleitorais que teriam se fossem políticas universais".
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O Banco Central Europeu (BCE) anunciou esta quinta-feira um novo aumento - o décimo consecutivo - das três taxas de juro diretoras, em 25 pontos base.
"A inflação continua a descer, mas ainda se espera que permaneça demasiado elevada durante demasiado tempo. O Conselho do BCE está determinado a assegurar o retorno atempado da inflação ao seu objetivo de médio prazo de 2%", justificou o banco central, em comunicado.
Em conferência de imprensa, a presidente do BCE, Christine Lagarde, referiu que o Conselho de Governadores considera que "as taxas de juro diretoras atingiram os níveis que, se forem mantidos durante um período suficientemente longo, darão um contributo substancial para o retorno atempado da inflação ao objetivo".
No entanto, segundo Christine Lagarde, "é demasiado cedo para dizer se as taxas de juro do BCE atingiram o seu pico".