"Mais inequívoco." Marcelo alterou "tom do discurso" do Governo sobre guerra na Ucrânia
Uma investigadora do Instituto Português de Relações Internacionais considera que, com a ida às trincheiras e com o discurso em ucraniano, o Presidente português marcou a diferença.
Corpo do artigo
A investigadora do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI), Diana Soller, defende que na visita a Kiev o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, alterou o tom do discurso do Governo português sobre a guerra na Ucrânia e não deixou margem para dúvidas quanto à posição de Portugal.
"Sinceramente o essencial que fica desta visita está relacionado com o facto de Marcelo Rebelo de Sousa ter sido muito mais inequívoco do que qualquer outro governante português, ou seja, o discurso do executivo, quer do primeiro-ministro, quer do ministro dos Negócios Estrangeiros ou ministra da Defesa é um discurso que nos faz pensar que ainda que Portugal tenha escolhido o lado do apoio da Ucrânia, não o fazia com muito entusiasmo. No fundo estava um bocadinho ao lado de países como a França e a Alemanha, que são países que são mais reticentes no seu apoio à Ucrânia. E o que penso que Marcelo Rebelo de Sousa foi fazer à Ucrânia, que é verdadeiramente significativo, foi alterar o tom desse discurso. Foi dizer inequivocamente que Portugal apoia a entrada da Ucrânia na NATO e na União Europeia, dizer que o apoio de Portugal é absolutamente inequívoco e pelo tempo que for necessário e isso para mim acaba por ser o mais significativo desta visita. Tivemos o Presidente da República, que nem sequer tem funções relativamente à política externa de Portugal a não ser as da representatividade, a quebrar aqui uma espécie de tabu que havia na política externa portuguesa. Não sabemos exatamente se isto foi uma concertação, ainda que eu acredite que sim porque um assunto de política externa desta natureza, uma guerra, não se faz sem concertação. O Presidente da República não pode mudar o sentido do Governo de um momento para o outro mas, de qualquer maneira, com ou sem o assentimento do Governo - penso que foi com -, de alguma maneira transforma a política externa portuguesa neste aspeto em particular, que não é um aspeto menos importante", explicou à TSF Diana Soller.
TSF\audio\2023\08\noticias\24\diana_soller_1_inequivoco
Além disso, Diana Soller considera que, com a ida às trincheiras ou com o discurso em ucraniano, o Presidente português marcou a diferença em relação a outros chefes de Estado.
"Esses apontamentos que têm a ver com o estilo do Presidente da República Portuguesa podem ter um aspeto comunicacional interessante num momento em que chefes de Estado de todos os países há um ano e meio se deslocam à Ucrânia e fazem as suas considerações, em que não são muito diferentes uns dos outros e, portanto, o momento de ida às trincheiras e, principalmente, o momento em que falou em ucraniano acabam por marcar a uma certa diferença naquilo que respeita aos outros chefes de Estado. Acaba por ter um impacto internacional que, no fundo, pode distinguir Portugal", defendeu a investigadora.
Para a investigadora do IPRI, ao discursar em ucraniano Marcelo Rebelo de Sousa assumiu também uma posição política de apoio à língua e cultura ucraniana que o Presidente russo despreza.
"Uma das vertentes da guerra da Ucrânia está diretamente relacionada com a cultura ucraniana, com a língua ucraniana. A Rússia afirma muitas vezes que está a defender os falantes do russo além fronteiras, nomeadamente na Ucrânia, no Donbas, e isso até levou, a partir de 2014, a uma espécie de 'ucranização' da Ucrânia. Isso foi uma das questões que Vladimir Putin tem evidenciado muitas vezes e a mim parece-me que este discurso em ucraniano por um lado tem essa vertente mediática, comunicacional, em que, de facto, o Presidente da República português chama atenção para si próprio num evento que, além de ter outros chefes de Estado, é também um evento em que a posição central é da Ucrânia, é o Dia da Independência, mas também pode ter esta leitura política do apoio à língua e à cultura ucraniana, que é uma das uma das vertentes que está em questão e que pesou é na decisão russa, segundo Vladimir Putin, na guerra da Ucrânia", acrescentou.