Marcelo alerta contra "saltos" lógicos após ataque em Bruxelas e deixa aviso a Portugal
Questionado na capital belga sobre o episódio em que duas pessoas morreram e uma terceira ficou ferida, o Presidente da República assinalou que ninguém pode garantir que não há terrorismo em nenhum país e avisou que, em Portugal, não faz sentido fazer "especulações e projeções" a partir deste episódio.
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O Presidente da República alertou esta terça-feira para a necessidade de evitar que a partir do ataque armado em que morreram dois suecos em Bruxelas se salte para conclusões como a de que é "inevitável que aquilo que se passa de crise numa ponta do mundo significa, por todo o mundo e necessariamente, certas consequências". Em declarações aos jornalistas a partir da capital belga, Marcelo Rebelo de Sousa sublinhou também a realidade "muito específica" da imigração em Portugal e notou que o terrorismo se alimenta de "culpas coletivas, que não existem".
Poucas horas depois de um homem ter disparado mortalmente sobre duas pessoas e ferido uma terceira, o chefe de Estado português nota que as medidas de segurança, o ambiente e a "normalidade da vida em Bruxelas" - agora acompanhada de uma "perceção mais clara do que se aconteceu", dado que o autor dos disparos foi neutralizado -traduzem-se "numa normalidade de funcionamento, mantendo-se algumas medidas de segurança".
No caso português, é muito claro que não faz sentido nenhum fazer especulações e projeções
Questionado pelos jornalistas no local sobre a sua leitura dos acontecimentos, Marcelo começou por dizer que não queria especular nem "dramatizar" a matéria, mas que o mundo já tem, há largas décadas, a noção de que "uma das características do terrorismo é a sua imprevisibilidade".
"Ninguém pode garantir que não há terrorismo em nenhum país do mundo. Agora, as estruturas na Europa e claramente em Portugal são estruturas que normalmente estão preparadas para prevenir e tentar enfrentar, na medida do possível, essa situação", explicou, dados que considera importante salientar para combater as duas tentações que disse surgirem após casos destes.
"Uma é a de pegar nos factos vividos e criar uma situação de espírito de alarme constante nas sociedades, nomeadamente nas europeias. Sabem há muito tempo que realmente não é possível deixar de considerar a eventualidade de atos criminosos ou terroristas, mas que há uma estrutura de prevenção e de defesa muito mais sofisticada do que havia no passado", ou seja, resume: "Aprendeu-se."
A segunda tentação é uma que, "no caso português, é muito claro que não faz sentido nenhum: fazer especulações e projeções, como seja começar a falar do fenómeno da imigração ou de imigrantes e, a partir daí, começar a estabelecer cenários".
Para o chefe de Estado, os portugueses "têm de ter a noção" de que corporizam um caso "muito específico" na Europa e a de que vivem no país "700 mil migrantes, dos quais a maioria clara é de países de língua portuguesa".
"A grande maioria é brasileira, mas há muitos outros de outros países de língua portuguesa. Tudo somado deve dar perto de meio milhão de pessoas, nunca se sabe. Depois tudo o resto até aos 700 mil, que não chega a 200 mil, vêm de inúmeros países, muito variados, europeus e outros. Há comunidades que têm uma grande estabilidade no nosso país. Há comunidades até com alguma coesão religiosa que têm o mesmo número de membros há muito tempo. Há migrações, que são muitas delas temporárias, da Ásia, de pequenos países. Numa fase falou-se de nepaleses, outra vezes de bangladeshianos" e mesmo assim, feitas estas contas, "não estamos a falar em Portugal sequer da realidade que há noutros países europeus em que a maioria ou parte significativa da população, em certos municípios, é constituída por migrantes".
Assim, e apesar de esta ser a realidade portuguesa, a Europa já tem, ao longo do tempo, vindo a implementar "políticas de mobilidade e de acompanhamento", o que leva o Presidente da República a deixar um aviso. "Eu não daria o salto imediato para dizer que é inevitável que aquilo que se passa de crise numa ponta do mundo significa, por todo o mundo e necessariamente, certas consequências. Também não daria o salto de identificar com categorias de pessoas, de cidadãos de vários pontos do mundo."
E porque a segurança é "muito importante para as pessoas", e mesmo que as estruturas que a devem manter venham a ter "uma capacidade de prevenção e de resposta crescente", o Presidente da República realçou que "ninguém pode impedir, mesmo em termos de um ato criminoso comum, que não haja atos criminosos em acontecimentos de massas, desportivos ou não desportivos, pontuais ou menos pontuais".
Terrorismo parte da "culpabilidade coletiva": "Ora, sabemos que não há culpas coletivas"
Questionado sobre se o caso específico de Bruxelas e da situação de asilo do autor do ataque - que já o tinha viso ser recusado - pode levantar mais vozes populistas, o Presidente da República respondeu que os populismos atuais "pegam em todas as razões de insegurança, insatisfação ou contestação".
Regressando por iniciativa própria à situação portuguesa, Marcelo apontou que, "pela circulação de vídeos nas redes sociais, parece que a realidade é determinada do ponto de vista sociológico, mas não é, não é exatamente essa, é outra. Deve ter-se essa noção muito clara quando se lida com a realidade".
Ainda assim, comprovando-se que este foi um ato terrorista, "é sempre condenável" porque "parte de um princípio" que o chefe de Estado fez questão de pedir emprestado, elogiando até o autor da linha de pensamento: o da "culpabilidade coletiva".
"Vi-o no outro dia muito bem dito por uma figura insuspeita de esquerda radical portuguesa a propósito do Hamas", uma vez que "quando há uma determinada situação de dominação ou que se diz que é de exploração ou de confronto, diz-se que são responsáveis todos os que são daquela nacionalidade, povo ou coletividade. Bebés ou crianças das mais variadas idades" incluídos.
Daí que, para o terrorismo, "faz sentido praticar atos terroristas que possam custar a vida de todos, porque é uma culpa coletiva. Ora, sabemos que não há culpas coletivas".
Já sobre a responsabilidades dos políticos, o chefe de Estado fez notar que está na Bélgica acompanhado de vários deputados portugueses de todos os grupos parlamentares e que não notou, entre eles, "nenhuma diferença de reação perante o momento que estava a ser vivido".
"Achei que era um exemplo de, por um lado, comportamento destas delegações no estrangeiro, mas também da noção que perante certos momentos - e não se sabia se era um ato criminoso isolado ou mais do que isso -, a reação foi a mesma. Independentemente do quadrante político, era uma questão de bom senso, às vezes o que mais falta em política é o bom senso, e esse leva a que estejam de acordo mesmo que pensem sobre questões políticas e ideológicas coisas muito diferentes", resumiu.
Portugal já transmitiu palavras de solidariedade aos chefes de Estado e de Governo belgas e suecos pelo ataque à mão armada no dia em que as seleções nacionais de futebol da Bélgica e a da Suécia jogavam em Bruxelas. O jogo de futebol não recomeçou depois do intervalo.
A Procuradoria Federal belga afirmou que o agressor, que usava uma motorizada, seguiu alguns adeptos de futebol suecos que entraram num táxi. Em seguida, abriu fogo contra estas pessoas quando saíam do veículo num cruzamento.
Um dos mortos é sueco, outro é de origem sueca, mas também tinha bilhete de identidade suíço. A terceira vítima, gravemente ferida, também é de origem sueca, segundo o procurador federal belga Frédéric Van Leeuw.