"Pode haver muita gente" a debater caso Influencer "com intenção de controlar o MP"
Filipe Marques avisa que "não podemos perder" a independência da justiça portuguesa, que é elogiada a nível europeu, e apela a que não se use o tema da reforma da justiça apenas como um "chavão muitas vezes com finalidades políticas, outras vezes como cortina de fumo".
Corpo do artigo
O antigo presidente da Associação de Magistrados Europeus pela Democracia e as Liberdades (Magistrats Européens pour la Démocratie et les Libertés - MEDEL), Filipe Marques, assume-se preocupado com as "condenações antecipadas do Ministério Público (MP)" no seguimento da Operação Influencer e defendeu, no Fórum TSF, que é preciso garantir que a independência deste se mantém num momento em que alguns intervenientes no debate podem ter "a intenção de controlar".
Embora considere "normal que se debata" o caso, até porque este é um processo que se tornou mediático de forma "perfeitamente normal" por ter levado "em última instância" à demissão do primeiro-ministro, António Costa, Filipe Marques aponta que "no meio de todo este debate pode haver muita gente que o esteja a fazer com uma intenção de controlar Ministério Público e, como se costuma dizer, não podemos deitar o bebé fora com a água do banho". Se o sistema português é elogiado a nível europeu, nota, pela sua independência, "não a podemos perder".
Já percebemos que falar da reforma da justiça é falar de nada, porque a reforma da justiça é um chavão
Entrevistado em direto por Manuel Acácio no Fórum TSF desta quarta-feira, dedicado ao tema "A Operação Influencer e o debate sobre o Ministério Público", Filipe Marques avisou também que o Ministério Público, "como qualquer instituição, tem de estar constantemente a repensar se", mas pede que não se use o "chavão" da reforma da justiça apenas como, como parece ter acontecido ao longo das últimas décadas.
TSF\audio\2023\11\noticias\22\filipe_marques_4_interessados_em_tir
"Comecei a minha carreira há mais de 20 e tal anos e há 20 e tal anos que se fala na reforma da justiça e o que me dizem os que já estavam cá há 20 e tal anos antes de mim é que, quando eles começaram a carreira, se falava na reforma da justiça", pelo que ao longo dos anos "todos nós já percebemos que falar da reforma da justiça é falar de nada, porque a reforma da justiça é um chavão que se utiliza, muitas vezes com finalidades políticas, outras vezes como cortina de fumo para esconder outras intenções, e que nada querem dizer", lamentou.
TSF\audio\2023\11\noticias\22\filipe_marques_2_reforma_e_chavao
Investigações melhores e mais rápidas exigem investimento
Paulo Lona, secretário-geral do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, deixou avisos na mesma linha, mas confessou uma outra preocupação: a da menorização da justiça quando uma investigação incide sobre a política, referindo até Augusto Santos Silva.
"Tivemos há pouco tempo a segunda figura do Estado português a fazer um apelo a que uma conclusão de uma determinada investigação se baseasse num timing político. Ora, o Ministério Público não se pode pautar por timings políticos eleitorais ou outros, não é?", comentou. A justiça "tem de pautar a sua atuação pelo princípio da legalidade e tem de iniciar um processo cada vez que surge uma suspeita da prática de um crime público, seja ele relativamente a quem for, e tem de fazer a sua investigação dentro do seu timing".
TSF\audio\2023\11\noticias\22\paulo_lona_1_santos_silva_a_pression
Se se quer que as investigações sejam melhores ou mais rápidas, notou, o Estado deve começar por "investir nos recursos materiais e humanos que atribui à justiça em geral e ao Ministério Público em particular".
Já no que respeita à forma de garantir que essa evolução na justiça e nas investigações acontece, Filipe Marques aponta a necessidade de construir "mecanismos de controlo de qualidade" externos e deixou na TSF o exemplo neerlandês, promovido pelo próprio Conselho Superior do país: "Há comissões que, de quatro em quatro anos, compostas por gente totalmente externa aos conselhos, com total autonomia, fazem um relatório que, entregando ao Parlamento, dizem: "Nós avaliamos o sistema, e estes pontos são positivos, estes melhoraram e estes pioraram.""
TSF\audio\2023\11\noticias\22\filipe_marques_3_tentativas_controlo
Esta forma de controlo de qualidade gera "um debate sério, não um debate que é ditado pela agenda mediática ou agenda partidária". E a experiência de cinco anos na MEDEL levou-o até a deixar um aviso: "Tive oportunidade de contactar com sistemas onde o MP não é minimamente independente e é um braço armado do poder executivo. Pergunto aos comentadores que dizem que é preciso controlar o MP se é mesmo esse o país onde querem viver."