Podemos esperar "maior frequência" de situações extremas e isso exige "mais eficácia na comunicação de risco"

João Matos/EPA
Três pessoas morreram por causa da Depressão Cláudia. Uma das vítimas estava no Parque de Campismo de Albufeira, que foi atingido por um tornado
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É possível evitar vítimas mortais como as que durante a passagem da depressão Cláudia fizeram soar ainda mais os alarmes, acredita o climatologista Carlos da Câmara e o especialista em proteção civil Duarte Caldeira. Para tal "é urgente que se comece a olhar para eventos extremos meteorológicos com a atenção que eles merecem", até porque é de esperar que aconteçam com "maior frequência".
Carlos da Câmara, professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, sublinha que tornados não são fenómenos inéditos, mas estão a ser exponenciados pelas alterações climáticas.
"Sabemos que as regiões polares estão a aquecer mais rapidamente que as regiões equatoriais. Isso implica que haja uma descida menos intensa do equador para os polos das temperaturas do que há trinta anos", explica. O fenómeno faz com que "a ocorrência deste gênero" de fenómenos como a depressão Cláudia se torne mais frequente.
"Tal como muitos outros fenómenos extremos, como ondas de calor, que têm vindo a aumentar em intensidade, em duração e em extensão, eu acredito que seja de esperar também uma maior frequência deste tipo de pressões que têm efeitos muito gravosos ao nível local, como chuvadas muito intensas, ventos muito fortes e, porventura, tornados", avisa Carlos da Câmara.
Neste caso, uma pessoa morreu na sequência do tornado que atingiu o Parque de Campismo de Albufeira. A depressão Cláudia levou ainda à morte, no Seixal, de dois idosos, cuja casa ficou inundada.
O climatologista viveu quatro anos nos Estados Unidos da América e trouxe de lá uma experiência que por cá ainda é reduzida. Acredita, por isso, que é possível evitar vítimas como essas.
"Em muitas localidades existem edificações que estão em locais extremamente perigosos e isso tem demorado mais tempo do que o desejável a resolver-se". Mas "talvez ainda mais importante" do que isso é a formação dos cidadãos. Uma realidade que "demora tempo a [aqui pus umas aspas a mais, lol] moldar", reconhece.
Carlos da Câmara diz que Portugal poderia seguir o exemplo dos EUA, "onde as crianças com dois, três, quatro anos começam a ser preparadas para tomar atitudes defensivas, nomeadamente procurando locais de abrigo" e não, por exemplo, "um parque de campismo que é das zonas mais vulneráveis".
O climatologista defende que é, acima de tudo, essencial que as pessoas abordem "com mais atenção" os fenómenos meteorológicos. "Faz-me sempre imensa impressão ver que, quando há este tipo de avisos, as pessoas continuam ir para as falésias ver as ondas, expondo-se a perigos completamente evitáveis", confessa.
Vítimas mortais da depressão Cláudia eram idosas
Primeiro morreu um casal com mais de 80 anos que vivia no Seixal, numa casa que ficou inundada. Depois, uma mulher de 85 anos, que estava no parque de campismo de Albufeira, não resistiu à passagem do tornado no Algarve.
Duarte Caldeira, presidente do Centro de Estudos e Intervenção em Proteção Civil, considera que a comunicação de risco deve ter "uma maior eficácia".
"É justo reconhecer um avanço importante, com a preciosa colaboração dos órgãos de comunicação social, em relação aos avisos e alertas à população destas situações. Mas isto necessita ainda, e sobretudo, de uma ação continuada de proximidade. E para essa ação continuada de proximidade são convocados de forma inevitável os órgãos que estão mais próximos das populações na circunstância, os municípios e as freguesias", defende.
Duarte Caldeira considera que "é importante que a comunicação de risco seja entendida como uma prioridade da ação municipal e ao nível mais próximo das populações, recorrendo não apenas às técnicas conhecidas de comunicação, mas sobretudo ao investimento de recursos humanos de proximidade".
Duarte Caldeira defende, por exemplo, o alargamento do programa Aldeia Segura Pessoas Seguras, que é apenas aplicado nos locais mais isolados do país no período de incêndios.
"É um bom instrumento de proximidade, é um bom instrumento de organização da população à escala local. Está à vista que os incêndios rurais não são o único risco a que o país está sujeito e pode gerar mortes e danos significativos, então convida-nos a refletir se não será melhor nós pensarmos o risco duma forma global, preparando a população para lidar de forma adequada e autodefesa face a ele, e não nos ficamos exclusivamente pelo incêndio rural", afirma.
O especialista em proteção civil é perentório: "só temos que não virar a cara para o lado àquilo que a natureza nos alerta."
