"Prova de que o ativismo está vivo." Petição para alterar nome da ponte do Parque Tejo já pode ir à AR
Mais de 12 mil pessoas subscreveram a petição, um valor acima dos 7500 precisos para levar os deputados a debatê-la. Promotor recusa que seja contra a Igreja: "É a favor das vítimas."
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A petição que contesta o nome da ponte ciclopedonal Cardeal Dom Manuel Clemente, entre Lisboa e Loures, já recolheu mais de 12 mil assinaturas, valor que permite que seja debatida no plenário da Assembleia da República.
Lançada há perto de 24 horas, a petição pública considera uma ofensa ao bom nome das vítimas de abusos sexuais pela Igreja Católica, que a comissão independente que estudou os abusos estimou serem cerca de 4800.
Em declarações à TSF, um dos promotores da iniciativa, Tiago Rolino, defendeu que este número de subscrições é a "prova de que o ativismo social está vivo e de que as pessoas se unem em torno desta questão, que é dos mais elementares direitos humanos, de proteção das vítimas, do seu bom nome e do que sofreram, tanto às mãos de quem as abusou, como às mãos de quem encobriu estes crimes".
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Os promotores desta petição avisam desde já que não vão permitir "que os políticos, e nomeadamente o presidente [da câmara de Lisboa] Carlos Moedas, façam um ajuste direto para alavancar a sua imagem e a sua posição política às custas de mais de 4800 vítimas".
Tiago Rolino nega também que esta petição tome uma posição de intolerância contra a Igreja e assinala até que entre quem assinou a petição haverá "de certeza" católicos, tendo em conta a "proporção de pessoas católicas que há no nosso país".
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"Só que são conscientes de que isto não é, como eu disse e repito, contra ninguém", sublinhou, "é a favor das vítimas. Quando a posição é justa, quando a reivindicação é justa, eu acho que as pessoas esquecem facilmente outras coisas e metem na sua cabeça a questão dos direitos humanos, que é disso que se trata".
"Tentativa de maquilhagem" e problemas no X
Nestas declarações, Tiago Rolino adianta até que, a haver intolerância, será da parte da câmara de Lisboa porque "uma pesquisa fácil no Twitter, no X, demonstra que, quando saiu aquela notícia partilhada ou feita até pela página oficial do Município de Lisboa, da Câmara de Lisboa, no Twitter, as pessoas que postavam comentários contrários viram os seus comentários ocultados e, inclusivamente, foram bloqueadas pela página".
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Na publicação consultada pela TSF este domingo é possível perceber que foram ocultadas pelo menos duas respostas ao anúncio do nome da ponte, atitude que o promotor da petição vê como uma "tentativa de maquilhagem, de alavancamento deste presidente da Câmara".
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Apesar das respostas ocultas, são visíveis e publicamente acessíveis várias críticas ao anúncio, com dezenas de utilizadores da rede social a partilharem a imagem que lembra os mais de 4800 casos de abuso sexual pela Igreja e que foi usada em cartazes expostos na rua durante a Jornada Mundial da Juventude.
Tiago Rolino apontou ainda que o anúncio da câmara de Lisboa terá sido feito sem que tenham sido seguidos os procedimentos necessários e, portanto, sem "segurança jurídica".
"Não basta a um presidente de câmara anunciar sem cumprir os procedimentos. Mais uma vez não se sabe de reunião de câmara que tenha aprovado, de parecer da Comissão de Toponímia, nem da posição oficial da câmara de Loures, porque isto une um concelho ao outro", assinalou o promotor.
Intitulada "Petição pela alteração do nome previsto para a ponte Lisboa/Loures no Parque Tejo", a petição foi lançada no sábado através da rede social X (antigo Twitter) por Telma Tavares, autora dos cartazes em memória das vítimas de abusos sexuais por membros da Igreja Católica que foram colocados em Lisboa, Loures e Algés durante a JMJ, que decorreu no início do mês.
Na petição é invocada "a suposta laicidade do Estado" e questionado se a atribuição do nome de Manuel Clemente à ponte "pode ser vista até como uma ofensa e/ou desrespeito pelas mais de 4800 vítimas de abuso sexual por parte da igreja em Portugal".
"Sendo a ponte um dos equipamentos que foi pago com recurso a dinheiros públicos, que todos os portugueses irão pagar com assinalável esforço, o mínimo exigível será que se homenageie quem tenha factualmente marcado a diferença ou sido autor de feitos que mereçam destaque no nosso município", lê-se no texto.
A petição é dirigida à câmara de Lisboa, mas tendo já recolhido mais de 7500 assinaturas poderá ser apreciada pelos deputados em plenário da Assembleia da República.
Contrapetições têm mais de duas mil assinaturas
Entretanto, foram publicadas duas contrapetições, uma a favor da manutenção do nome previsto para a ponte e outra para que, a par desse batismo, também o Parque Tejo receba o nome de Parque Papa Francisco.
A primeira petição, que defende Manuel Clemente como "um dos grandes sacerdotes do Patriarcado de Lisboa" cujo "modo de agir e de viver foi sempre um grande exemplo e um modelo de vida cristã e de cidadania" reúne mais de 280 assinaturas. "Se dar um nome a uma ponte é escolher uma pessoa que se tenha realmente dado à nossa sociedade o nome certo é d. Manuel Clemente. É merecido e é para quem o conhece uma pessoa que merece todo o nosso carinho e reconhecimento", referem os autores na plataforma Petição Pública.
A segunda petição, dirigida aos autarcas de Lisboa e de Loures, saúda o "empenho das autarquias" na organização da JMJ e sugere que "seja oficialmente atribuído ao Parque Urbano Tejo-Trancão o nome de Parque Papa Francisco, fazendo assim memória deste acontecimento único para as nossas duas cidades". No mesmo texto é saudada a "decisão de atribuir à ponte pedonal que liga os dois concelhos o nome do Senhor Dom Manuel Clemente". Esta iniciativa reúne mais de 2600 assinaturas.
Na sexta-feira, a Câmara Municipal de Lisboa anunciou que a nova ponte ciclopedonal que liga os concelhos de Lisboa e Loures, sobre o rio Trancão, na zona oriental da cidade, vai chamar-se Ponte Cardeal Dom Manuel Clemente.
"É uma justa homenagem da cidade a um homem que deu tanto a Lisboa ao longo da sua vida", afirmou Carlos Moedas, citado num comunicado da autarquia.
Numa mensagem enviada à Lusa, Manuel Clemente agradeceu "a generosidade" do município e disse incluir no seu nome "todos quantos trabalharam na Jornada Mundial da Juventude".
Segundo a câmara de Lisboa, o nome da ponte foi comunicado ao presidente da autarquia de Loures, Ricardo Leão (PS), que considerou tratar-se de "uma boa opção e um justo reconhecimento".
*notícia atualizada à 23h32