Quando "tudo está informatizado", como é que há médicos a lesar o Estado em três milhões de euros?

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Para combater situações de fraude no SNS, que têm "prejuízo reputacional e na confiança dos cidadãos", "é preciso reforçar" o número de magistrados no Ministério Público. Esta foi uma das conclusões do Fórum TSF desta quinta-feira
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Aconteceu o seguinte: uma endocrinologista lesou o Estado em mais de três milhões de euros por alegadamente prescrever medicação para diabetes a quem queria perder peso e as duas funcionárias de uma unidade de saúde familiar detidas por suspeitas de terem inscrito mais de dez mil imigrantes irregulares no SNS. Estas detenções deram o mote ao Fórum TSF desta quinta-feira, com os especialistas a esperarem que a Unidade de Combate à Fraude na Saúde não se trate de "prevenção de fachada".
O presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público não tem, "para já, conhecimento" sobre a Unidade de Combate à Fraude no Serviço Nacional de Saúde, um mecanismo independente anunciada pelo Governo e coordenado pela Polícia Judiciária (PJ) com o apoio do Ministério Público (MP).
Sem colocar em causa o papel do MP, "enquanto titular da ação penal", nesta matéria, Paulo Lona sublinha a "escassez de meios, nomeadamente o número de magistrados" e ressalva que "cada vez há mais investigações complexas". Por isso, "é preciso reforçar" os recursos humanos até para dar uma "resposta efetiva" às situações como as recentes que abalaram o SNS.
A TSF já questionou a PJ para saber quando é que esta unidade vai começar a trabalhar.
Ouvido também no Fórum TSF e comentando o caso da médica endocrinologista, o presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares não percebe como é que este caso não foi detetado mais cedo, sendo que "todas as prescrições estão numa base de dados".
O que falta é "olhar para a informação e cruzá-la", diz Xavier Barreto. Quando situações que "fogem à norma" acontecem, "tem de haver um alerta pré-definido" e essa é uma das sugestões que deixa para a unidade que vai ser criada pelo Governo.
Também o bastonário da Ordem dos Médicos (OM) não entende, num momento em que "tudo está informatizado, com um programa de prescrição eletrónica - que obviamente está controlada pelos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, que tem essa informação -", como é que "só se atua quando o valor da fraude atinge os três milhões de euros". Carlos Cortes promete, por isso, que a OM "não vai tolerar qualquer desvio do propósito ético que os médicos têm de ter".
O investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e especialista no combate à corrupção Luís Sousa receia que esta vontade "não passe de um mero formalismo".
"Neste momento existe um risco real de o novo normal se tornar num sistema de prevenção de fachada."
"Vamos ter mais destas situações", garante, acrescentando que "é bom que elas se detetem, mas não passados quatro anos" até pelo "prejuízo financeiro, reputacional, a própria confiança dos cidadãos".
No caso de João Paulo Batalha, investigador na área da transparência e vice-presidente da Frente Cívica, defende que, em geral, a gestão do Estado e a estratégia contra a corrupção não é boa, ainda assim, o SNS "está hoje menos exposto à fraude do que estava há uns anos". Por exemplo, graças às receitas eletrónicas.
