Estava habituado a vitórias nas urnas, mas, em 2019, o tiro saiu-lhe pela culatra. Comprador de guerras durante toda a vida, Rui Rio está a caminho da batalha do "tudo ou nada" no PSD. E se há algo que os anos lhe ensinaram foi a capacidade de ser resiliente.
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Rigoroso. É neste adjetivo que reside a maior qualidade e o maior defeito de Rui Rio. É o próprio quem o admite, mas se a questão for colocada aos adversários, a conversa muda de figura. E "adversários" é também uma palavra-chave porque os últimos dois anos não foram pera doce para o presidente do PSD.
Com 62 anos feitos em agosto, Rui Rio é um homem habituado a comprar guerras. Foi assim quando liderou a autarquia do Porto durante 12 anos e é assim dentro do próprio partido, já desde os tempos em que Marcelo Rebelo de Sousa era o líder social-democrata.
Entrou para o então PPD por causa da figura de Sá Carneiro. "Não sou propriamente do PPD, sou do doutor Sá Carneiro", dizia Rui Rio, enaltecendo o homem que o fez querer entrar no mundo da política.
Economista de formação, estudou na Escola Alemã onde a disciplina se entranhou no corpo e nunca mais de lá saiu.
Chegou a 2019 com a máxima de "nunca ter perdido eleições" e disso fazia gala: desde a associação de Estudantes da Faculdade de Economia da Universidade do Porto à luta autárquica, passando pela liderança do partido. Quando se candidatou a presidente do PSD pela primeira vez, contra Santana Lopes, Rui Rio fez questão de sublinhar que, ao longo da vida, nunca perdeu uma eleição e se "a tradição se cumprisse", nas legislativas de 2019, o que seria "anormal" era o PS ganhar. Todos sabemos como é que essa história terminou, mas Rio não baixa os braços.
Foi assim na Invicta, quando criou inimizades com os agentes culturais ou com o Futebol Clube do Porto, chegando mesmo a fazer com que os festejos dos dragões saltassem o rio Douro para o município de Gaia. Também foi assim no PSD quando, enquanto secretário-geral da direção de Marcelo, deu início ao processo de refiliação de militantes para acabar com os "fantasmas", ou quando chegou a propor um relógio de ponto na sede do partido para controlar as entradas dos funcionários.
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Com passagens pela banca e por empresas privadas, Rui Rio sempre teve uma queda para o serviço público. Além de autarca e das funções de dirigente em várias direções do PSD, foi deputado da nação durante 10 anos. E é com a bandeira do "interesse nacional" que acena neste momento aos portugueses para tentar captar votos, algo que os adversários já chegaram a apontar como sendo "a bengala do PS".
E que ninguém diga que Rio não avisou sobre a questão do superior interesse do país, pois isso ficou claro desde o primeiro minuto. No discurso de vitória das diretas que o colocaram frente-a-frente com Pedro Santana Lopes, Rio assegurou que estava pronto para fazer uma "oposição firme e atenta, mas nunca demagógica ou populista, porque nunca contra o interesse nacional".
Adepto das "contas certas" (e faz questão de repetir que as conseguiu fazer na segunda maior câmara do país), ideologicamente defende o "recentramento" do PSD, mas houve uma época em que até torceu pela esquerda. Foi em 1986 e num contexto muito particular. Questionado se apoiou Mário Soares nas presidenciais desse ano por gostar muito dele ou "por não gostar nada de Freitas do Amaral", Rui Rio explica que "não era exatamente a favor de Mário Soares nem contra Freitas do Amaral". "A sociedade portuguesa vivia uma clivagem muito grande entre esquerda e direita e eu, naquela altura, preferia francamente o lado da esquerda moderada do que o da direita moderada", disse.
Quem vai à guerra...
Habituado a divergir (e a não ter papas na língua), Rui Rio enfrentou nos dois últimos anos uma forte oposição interna cujo maior rosto é o de Luís Montenegro. Tudo começou com um aviso no congresso que o coroou presidente, com o antigo líder parlamentar a garantir que não ia fazer oposição interna ao presidente do PSD, mas a deixar algo bem claro: "Se algum dia decidir dizer "sim", não vou pedir licença a ninguém".
Nem um ano depois, Montenegro desafia a liderança de Rio apontando a "estratégia errada" do atual presidente para reerguer o PSD. Rio não convoca eleições antecipadas como era vontade de Montenegro, leva uma moção de confiança a Conselho Nacional e vence. No final desta reunião que se estendeu durante 10 horas, Rio saiu sorridente e com um apelo: "O que era preciso era que agora houvesse alguma paz no partido, para que nós pudéssemos fazer o papel que nos compete de construir uma alternativa ao Governo do PS".
Mas essa paz ("podre") não durou muito. Se até às Europeias não houve grande alarido, depois dos resultados negativos para o PSD, as críticas regressaram. Ganharam novos contornos na elaboração das listas a candidatos a deputados, com vetos da direção de Rio a nomes críticos. Hugo Soares à cabeça.
O caldo entorna com críticas de "autoritarismo", "unicidade de pensamento" ou até de "desamor pelo partido". Rio mantém-se firme e hirto e vai para as legislativas bem ciente das pedras que teve pelo caminho.
"Tive de fazer um esforço muito maior porque tive obstáculos perfeitamente desnecessários, isso é evidente. Não sou hipócrita e não vou dizer agora coisa diferente do que sempre disse e daquilo que é óbvio. Foram colocados obstáculos que eram perfeitamente desnecessários e que tinham potenciado muito mais o trajeto desde fevereiro de 2018 até hoje", disse em entrevista à TSF .
A verdade é que o resultado não foi a vitória e estavam lançados os dados para chegarmos ao ponto em que chegámos agora: a disputa pela liderança do PSD.
Quando confirma a recandidatura, fica a farpa, ao cuidado de quem quisesse ouvir: "As regras dos democratas são estas, não são as da vaidade, ambição e interesse pessoal. O nosso objetivo comum tem de ser o de derrotar o PS e não o próprio PSD".
E agora, Rui Rio?
Foi atleta, gosta de carros clássicos e até está habituado a marcar o ritmo, como demonstrou, mais do que uma vez, num arraial minhoto de baquetas na mão a tocar bateria . Estará pronto para o ritmo rumo às autárquicas? Rio diz que sim e faz disso trave mestra da estratégia para os próximos dois anos se vencer o partido. Mas com uma luta que se avizinha tão renhida, estará o presidente do PSD preocupado com o futuro político?
Tudo indica que não. Frisou que respeitará a vontade dos militantes quando lançou a recandidatura e, ainda antes das legislativas, admitiu à TSF que alguém com a experiência dele "não morre" politicamente em caso de derrota. "A morte política não será de certeza", sublinhou Rio, antes de explicar que o óbito político só pode ser declarado a alguém com 40 ou 50 anos, "que podia ter ainda um grande futuro pela frente e tem de ir embora da política para fazer outra coisa".
Tal não acontece com Rio que, à época, garantia não sair zangado com o resultado, fazendo valer aquela que diz ser uma das suas grandes vantagens: "o desprendimento pelo poder".
Desprendido ou não, o presidente do PSD, que comete o pecado de não resistir ao açúcar e pela-se por lampreia à bordalesa , vai para o tudo ou nada frente a Miguel Pinto Luz e, sobretudo, Luís Montenegro, com a convicção de que poderá vencer.
Dizem que a vingança é um prato que se serve frio, resta saber em que mesa vai ser servida.