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Cerca de um terço dos alunos das escolas portuguesas tem sinais de sofrimento psicológico e défice de competências socioemocionais, um problema que se agrava com o avançar da escolaridade e afeta mais as raparigas, concluiu um estudo divulgado esta terça-feira.
O estudo "Observatório Escolar: Monitorização e Ação | Saúde Psicológica e Bem-estar" foi realizado este ano junto de 8067 crianças e adolescentes que frequentam escolas portuguesas, desde o pré-escolar até ao 12.º ano.
"Penso que os alunos, tirando uma minoria, dentro de uns tempos estarão recuperados", defendeu a coordenadora do estudo, Margarida Gaspar de Matos, da Equipa Aventura Social da Universidade de Lisboa.
Segundo os investigadores, os problemas de saúde mental agravam-se à medida que os alunos crescem, até chegarem ao 12.º ano, altura em que são relatados mais problemas.
Ao longo do percurso escolar surgem duas exceções, as crianças do 2.º ano e os jovens do 8.º, que aparecem também especialmente vulnerabilizadas.
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Ouça aqui as explicações da jornalista Paula Dias
Os estudantes do 5.º ano aparecem como os mais satisfeitos com a vida e com menos sintomas de mal-estar psicológico: São os mais otimistas, confiantes, com maiores índices de sociabilidade, criatividade, energia e menor ansiedade face aos testes.
À TSF, o ministro da Educação garante que o Governo vai continuar a seguir as recomendações do estudo.
"Estes planos permitiram colocar nas escolas 1100 técnicos especializados nestas áreas em que a grande maioria dos técnicos contratados são psicólogos, mas temos também assistentes pessoais, artistas residentes, que têm tido um papel muito importante na promoção da vontade e do gosto de estar na escola. Também a adoção de um conjunto de materiais e atividades que foram desenvolvidos por várias universidades no mundo. São atividades muito concretas para permitir trabalhar as emoções, a cooperação, o autocuidado e a ética do cuidado nas escolas em conjunto com os alunos. A estes materiais, acrescerá também o programa de formação na área da literacia emocional dirigido a professores e a outros trabalhadores das escolas", explica.
João Costa sublinha que as escolas portuguesas já cumprem as recomendações da Ordem dos Psicólogos.
"Em 2016, contratámos mais 300 psicólogos para as escolas e, agora, com estes planos de desenvolvimento social e comunitário conseguimos dar ainda um salto maior no número de psicólogos nas escolas. Neste momento, não há nenhuma escola portuguesa que não tenha um psicólogo a trabalhar diariamente", adianta.
Ouça aqui as declarações do ministro da Educação, João Costa
O ministro reconhece que os resultados do estudo não são surpreendentes, mas defende que há resultados positivos.
"Aquilo que vemos é o reflexo disso mesmo entre os professores e vemos também alguns dados que já eram conhecidos ao nível de algum cansaço que existe entre os professores. Vemos também um reporte muito interessante da cultura de colaboração e de bem-estar nas escolas, muito relacionado com o papel das lideranças, ou seja, vemos o papel dos diretores como muito determinante na promoção de uma cultura mais ou menos positiva nas escolas", considera.
João Costa fala dos resultados do estudo sobre a saúde mental dos alunos
O ministro da Educação admite cedências na negociação suplementar que vai ter com os sindicatos sobre a mobilidade por doença e renovação de contratos de professores. Na segunda-feira, depois da reunião com João Costa, a Fenprof exigiu que os professores com doenças graves devem ser colocados mais próximas de casa. João Costa garante que já se aproximou nestas negociações, mas não fecha a porta a novas cedências.
"O Governo apresentou as suas propostas e as organizações sindicais têm apresentado as suas contrapropostas. O Governo já fez algumas aproximações às propostas das organizações sindicais, mas o processo negocial está em curso. Vamos aguardar pela sua conclusão. Num processo negocial estamos sempre disponíveis para as aproximações possíveis e sendo negociação espera-se que as aproximações sejam bilaterais. Neste momento, seria prematuro antecipar conclusões, porque não só a Fenprof mas também outros sindicatos já manifestaram a sua intenção de pedir negociação suplementar e significa então que a negociação continuará", assinala.
Esta é a primeira vez que o Ministério da Educação pede um estudo nacional sobre a saúde psicológica e bem-estar da comunidade escolar que, segundo o ministro João Costa, passará a ser realizado periodicamente.
"É uma resposta a evidências [provas] científicas que nos dizem que o bem-estar se correlaciona muito positivamente com os resultados escolares dos alunos, com o seu desempenho académico e, por isso, não podemos deixar isto de foram da atividade da escola", explicou João Costa.
No estudo hoje divulgado, os investigadores procuraram identificar sintomas emocionais, problemas de comportamento, hiperatividade, problemas relacionados com os colegas, mas também comportamentos prós sociais entre as crianças do pré-escolar e 1.º ciclo.
Após os inquéritos realizados com a ajuda de professores e educadores, concluíram que cerca de um quarto das crianças são irrequietas (23,2%) e distraem-se com facilidade (24,9%), mas 88,6% dizem ter pelo menos um bom amigo.
Entre os alunos mais velhos, mais de um quarto disse sentir tristeza (25,8%), irritação ou mau-humor (31,8%) e nervosismo (37,4%) várias vezes por semana ou quase todos os dias.
Embora a maioria refira que raramente ou nunca sente uma tristeza tão grande que pareça não aguentar (67,1%), quase um terço admitiu sentir essa tristeza pelo menos mensalmente (32,9%).
Na escala de perceção da qualidade de vida, sete em cada dez alunos (71,4%) disseram sentirem-se calmos e tranquilos pelo menos metade do tempo, mas quase metade (42,7%) admitiu que ficava muito tenso na altura dos testes.
Numa comparação entre géneros, os rapazes mostraram ter uma melhor perceção de bem-estar, satisfação com a vida e menor sintomatologia de mal-estar psicológico. Eles são mais otimistas, têm maior controlo emocional, mais confiança, sociabilidade, mas também sofrem mais de ansiedade face aos testes e são mais vezes vítimas de 'bullying'.
Os investigadores defenderam por isso que as raparigas carecem de "atenção redobrada à medida que se avança na escolaridade".
O estudo surgiu na sequência da pandemia de Covid-19, precisamente para perceber o efeito na comunidade escolar, concluindo que um em cada três alunos considerou que a vida na escola piorou, um quinto achou que a vida com os amigos também ficou pior e 28,4% referiu que a vida consigo mesmo também se agravou. Já a vida em família manteve-se inalterada para a maioria (56,7%).
Para Margarida Gaspar de Matos, os resultados não são dramáticos: "Isto não é uma catástrofe nacional, é apenas um período de vulnerabilidade nacional", defendeu a coordenadora do estudo, realizado em parceria pela Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC), Direção-Geral da Educação (DGE), Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar (PNPSE), e com a colaboração da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) e Fundação Calouste Gulbenkian.
O estudo encontrou também diferenças por regiões: Entre os mais pequenos, foram identificados mais problemas nas escolas das regiões do Douro e Tâmega e Sousa, nomeadamente no que toca aos sintomas emocionais, problemas de comportamento e problemas de relacionamento com os colegas.
Entre os mais velhos, os alunos das escolas do Alentejo aparecem como sendo os mais satisfeitos com a vida, por oposição aos algarvios que são os que se sentem pior, com menos confiança, sociabilidade e menor índice de relações positivas com os professores.
Os alentejanos são os que têm perspetivas mais positivas e dos que menos sofrem com os testes, por oposição aos alunos do Algarve e Norte que sentem maior pressão com o aproximar das provas.
* Notícia atualizada às 10h00