O acórdão do Tribunal da Relação do Porto justifica suspensão de penas com citações da Bíblia e lei com mais de 130 anos. UMAR fala em decisão "lamentável e retrógrada". Leia o acórdão.
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O acórdão recorda que o adultério da mulher é uma conduta que a sociedade sempre condenou e que são "as mulheres honestas as primeiras a estigmatizar as adúlteras". Lê-se ainda que poder haver alguma compreensão "perante a violência exercida pelo homem traído, vexado e humilhado pela mulher".
As palavras constam de um acórdão do Tribunal da Relação do Porto, com data de 11 de outubro, redigido pelo juiz desembargador Neto de Moura, e assinado também por Maria Luísa Arantes, a que o Jornal de Notícias teve acesso (pode consultar aqui o documento na íntegra), e que confirma a condenação de dois homens, o marido e o amante, a penas suspensas por violência doméstica. Trata-se de um caso que envolve um casal de Felgueiras que acabou com o marido a agredir a mulher com uma moca com pregos porque ela manteve uma relação extraconjugal.
O acórdão cita a Bíblia e o Código Penal de 1886, que punia o homem com uma pena pouco mais que simbólica caso matasse a mulher em caso de adultério. No documento lê-se ainda "há sociedades em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte" e que o adultério da mulher é "um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem".
Contactada pela TSF, Elisabete Brazil da União Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR) defende que um acórdão judicial que minimiza a violência doméstica contra uma mulher com o facto de ela ser adúltera mostra uma forma de pensar "retrógrada e machista" ainda viva na sociedade portuguesa.
Elisabete Brazil considera as declarações "lamentáveis, retrógradas, desnecessárias e que não refletem as políticas internacionais e nacionais".
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Acrescenta ainda que o acórdão "poderia bem lembrar aquilo que foram as conquistas dos últimos anos e fazer passagens da Convenção de Istambul, citações da Convenção Internacional da Violência Contra as Mulheres ou mesmo da Carta Universal dos Direitos Humanos".
Elisabete Brazil acha ainda que a fundamentação usada pelos juízes transmite uma forma de pensar que "está ultrapassada e é retrograda", com "juízos de valor e moralismos que não são do nosso temos e deviam já ter sido ultrapassados".
O que é a Convenção de Istambul?
A Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica, de 2011, foi o primeiro instrumento jurídico internacional com força de lei que cobre todas as formas de violência contra as mulheres. Abrange também os homens que são vítimas de violência doméstica e prevê agravantes para crimes com armas e para delitos cometidos na presença de menores.
Portugal foi o primeiro membro da União Europeia a ratificar este documento conhecido como a Convenção de Istambul, cuja assinatura está aberta a todos os países do mundo.