Opinião

Ter voz ou conquistá-la

Não sei como se pronuncia corretamente o nome Mahnoor Omer. Sei que a história desta jovem advogada paquistanesa se destacou entre as muitas notícias que me passaram pelos olhos nas últimas horas. Aos 25 anos, enfrentou a primeira audiência contra a República do Paquistão num tribunal superior. Motivo? Decidiu processar o Estado por considerar injustos e excessivos os impostos sobre produtos como pensos higiénicos. Em áreas rurais do Paquistão, 83,8% das mulheres não usam pensos devido ao seu elevado custo.

Valorizo cada vez mais a forma como algumas pessoas procuram ter voz ou usar bem a capacidade de se fazerem ouvir. Há quem tenha espaço mediático em virtude de um determinado cargo ou carreira. Nestes casos, ter voz é uma consequência natural de uma função ou espaço conquistado pelo trabalho. Em contrapartida, há quem abrace uma causa e lute arduamente até conseguir ser escutado. Em ambas as circunstâncias, aquilo que se diz é uma escolha. O que fazemos com o lugar de fala, quando conseguimos ocupá-lo, é que realmente importa.

Num tempo de constante ruído - de polarização, como é moda dizer-se. Num tempo em que se grita muito; em que há muita agressividade, palavras de ódio a ganhar terreno, em que os consensos e a negociação parecem tão difíceis. Num tempo em que a palavra abunda, não há necessariamente muita gente que consiga ter voz.

Pior ainda: quem ocupa cargos públicos nem sempre percebe a responsabilidade de ter voz e deixa-se arrastar pela facilidade do grito. Ou fala apenas para culpar quem está abaixo de si. É o que tem feito Ana Paula Martins, em sucessivos incidentes na área que tutela. Para a ministra da Saúde, houve "falha grave" de quem a informou incorretamente sobre a alegada falta de acompanhamento médico da grávida que morreu no Hospital Amadora-Sintra. Não houve falha grave, isso já não!, quando culpabilizou mulheres pobres, sem telemóvel ou dinheiro para ir ao privado, pela sua má sorte - ainda que devesse envergonhar-se de preferir o preconceito quando levanta a voz para falar sobre pessoas a quem o Serviço Nacional de Saúde não dá respostas.

Quando as vozes que deveriam transmitir confiança nos falham, é o ruído que ganha espaço. Não a voz. Essa, admiravelmente, continua a ser de quem se faz ouvir pelos valores que defende e pelos combates que escolhe.

Inês Cardoso