Foi com estas palavras, num discurso triunfante e à esquerda, que Zohran Mamdani, vencedor das eleições para a câmara de Nova Iorque, se dirigiu ao presidente dos EUA, que o considera perigoso e com ideias "lunáticas e comunistas"
"Obrigado, meus amigos. O sol pode ter-se posto sobre a nossa cidade esta noite, mas, como Eugene Debs disse uma vez, consigo ver o amanhecer de um dia melhor para a humanidade." Foi com estas palavras, citando o líder sindical do Illinois, que foi cinco vezes candidato do Partido Socialista da América a Presidente dos Estados Unidos.
O presidente-eleito da Câmara de Nova Iorque, com tomada de posse marcada para o primeiro dia de 2026, dirigiu-se aos "trabalhadores de Nova Iorque, que têm ouvido dos ricos e dos bem-relacionados que o poder não pertence às suas mãos, que têm os dedos feridos por levantar caixas no chão do armazém, as palmas das mãos calejadas pelo guiador da bicicleta de entrega, as juntas dos dedos marcadas por queimaduras na cozinha".
"Estas não são mãos que tiveram permissão para exercer o poder. E, no entanto, nos últimos 12 meses, vocês ousaram alcançar algo maior. Esta noite, contra todas as probabilidades, alcançámo-lo. O futuro está nas nossas mãos", assinala.
O homem que tinha 1% nas intenções de voto quando, há um ano, se lançou nesta corrida eleitoral, que há cinco anos era conhecido apenas por umas aventuras musicais no hip-hop e ainda não tinha sido eleito para a assembleia do bairro de Queens onde ainda vive, afirma ter derrubado "uma dinastia política". "Desejo ao Andrew Cuomo tudo de bom na sua vida privada. Mas que esta noite seja a última vez que pronuncio o seu nome", apela. Está convicto de que foi virada "a página de uma política que abandona a maioria e responde apenas a uma minoria".
Fez uma leitura dos resultados, ao vencer por mais de 50% dos votos, que pressupõe "um mandato para a mudança, um mandato para um novo tipo de política, um mandato para uma cidade que podemos pagar e um mandato para um governo que cumpra exatamente isso". O homem nascido em Kampala, no Uganda, filho de imigrantes indianos que foram para Nova Iorque quando ele tinha sete anos agradeceu "à próxima geração de nova-iorquinos que se recusou a aceitar que a promessa de um futuro melhor fosse uma relíquia do passado".
Presidente de uma cidade de todos e para todos
E dirigiu-se àqueles que "tantas vezes são esquecidos pela política da nossa cidade e que fizeram deste movimento o seu próprio".
"Refiro-me aos proprietários de bodegas iemenitas e às abuelas mexicanas, aos taxistas senegaleses e às enfermeiras uzbeques, aos cozinheiros de Trinidad e às tias etíopes. Sim, tias. A todos os nova-iorquinos de Kensington, Midwood e Hunts Point, saibam isto: esta cidade é a vossa cidade e esta democracia também é vossa", sublinha.
Acreditando que fará de Nova Iorque "um lugar que os trabalhadores possam amar e onde possam viver novamente", pediu aos apoiantes que, finalmente respirassem, pois assumiu que a respiração esteve suspensa, politicamente entenda-se, "por mais tempo do que imaginávamos".
Na parte do discurso em que fez os agradecimentos, não esqueceu a família mais próxima: "Aos meus pais, mamã e papá, vocês fizeram de mim o homem que sou hoje. Tenho muito orgulho de ser vosso filho. E à minha incrível esposa Rama, não há ninguém que eu preferisse ter ao meu lado neste momento e em todos os momentos." Promete acordar todas as manhãs com um único objetivo: "Tornar esta cidade melhor para todos os novaiorquinos do que era no dia anterior. Muitos pensavam que este dia nunca chegaria, temiam que estivéssemos condenados a um futuro pior, com cada eleição a levar-nos simplesmente a mais do mesmo."
Um triunfo que funciona como despertador para todos aqueles que veem a política atual "como demasiado cruel para a chama da esperança". Garante Mamdani: "A esperança está viva. A esperança é uma decisão que dezenas de milhares de nova-iorquinos tomaram dia após dia, turno após turno de voluntariado, apesar dos ataques publicitários sucessivos. Mais de um milhão de nós estivemos nas nossas igrejas, nos ginásios, nos centros comunitários, a preencher o livro da democracia. Votámos sozinhos, mas escolhemos a esperança juntos. Esperança em vez de tirania. Esperança em vez de muito dinheiro e poucas ideias. Esperança em vez de desespero. Vencemos porque os nova-iorquinos se permitiram ter esperança de que o impossível pudesse tornar-se possível. E vencemos porque insistimos que a política não seria mais algo que nos é imposto. Agora é algo que nós fazemos."
A habitação e rendas acessíveis, prioridade número um
Buscou inspiração em Jawaharlal Nehru, indiano como os pais de Zohran, para dizer que esta foi uma noite em que Nova Iorque saiu do "velho para o novo, em que uma era termina e em que a alma de uma nação há muito oprimida encontra expressão".
Assegura que o seu mandato vai fundar uma era em que os nova-iorquinos "esperam de seus líderes uma visão ousada do que vamos alcançar, em vez de uma lista de desculpas para o que somos tímidos demais para tentar. No centro dessa visão estará a agenda mais ambiciosa para enfrentar a crise do custo de vida que esta cidade enfrenta desde os dias de Fiorano La Guardia", o mayor da cidade entre 1934 e 1946.
Zohran Mamdani tem uma agenda política que promete congelar as rendas das habitações de mais de 2 milhões de inquilinos, tornar os autocarros rápidos e gratuitos e oferecer creches universais em toda a cidade. E antecipa: daqui a alguns anos, "que o nosso único arrependimento seja que este dia demorou tanto para chegar. Esta nova era será de melhorias incessantes. Contrataremos milhares de professores. Reduziremos o desperdício de uma burocracia inchada. Segurança e justiça andarão de mãos dadas, à medida que trabalhamos com os agentes da polícia para reduzir o crime e criar um Departamento de Segurança Comunitária que enfrente de frente as crises de saúde mental e dos sem-abrigo". Promete a excelência como expectativa em todo o governo e não a exceção.
Afirmando que não irá permitir que "aqueles que traficam divisão e ódio nos coloquem uns contra os outros", garante que Nova Iorque será a luz: "Quer seja um imigrante, um membro da comunidade trans, uma das muitas mulheres negras que Donald Trump despediu de um emprego federal, uma mãe solteira que ainda espera que o custo dos mantimentos baixe ou qualquer outra pessoa com as costas contra a parede, a sua luta também é a nossa. E construiremos uma Câmara municipal que permaneça firme ao lado dos nova-iorquinos judeus e não vacile na luta contra o flagelo do antissemitismo. Onde mais de um milhão de muçulmanos sabem que pertencem. Não apenas nos cinco distritos desta cidade, mas nos corredores do poder. Nova Iorque não será mais uma cidade onde se pode traficar islamofobia e ganhar uma eleição. Esta nova era será definida por uma competência e uma compaixão que há muito tempo estão em conflito uma com a outra".
Afirmou estar consciente de que muitos ouviram a sua mensagem apenas "através do prisma da desinformação. Dezenas de milhões de dólares foram gastos para redefinir a realidade e convencer os nossos vizinhos de que esta nova era é algo que deve assustá-los. Como tem acontecido com frequência, a classe bilionária tem procurado convencer aqueles que ganham US$ 30 por hora de que seus inimigos são aqueles que ganham US$ 20 por hora. Eles querem que as pessoas lutem entre si para que continuemos distraídos do trabalho de reconstruir um sistema há muito tempo quebrado. Recusamo-nos a deixar que eles continuem a ditar as regras do jogo. Eles podem jogar pelas mesmas regras que o resto de nós". Vaticiando uma geração de mudança na maior cidade dos EUA, com quase nove milhões de habitantes, promete "responder à oligarquia e ao autoritarismo com a força que eles temem, e não com a apaziguamento que eles desejam".
Nova Iorque e a nação "traída" por Trump
E faz, desde já, uma projeção nacional do resultado da eleição muncipal, até porque, "se alguém pode mostrar a uma nação traída por Donald Trump como derrotá-lo, é a cidade que o viu nascer. E se há alguma maneira de aterrorizar um déspota, é desmantelando as condições que lhe permitiram acumular poder. Não é apenas assim que vamos parar Trump, é assim que vamos parar o próximo". Terá JD Vance ouvido? Ou Marco Rubio? Depois, voltou-se para o magnata e Presidente do país:
"Então, Donald Trump, como sei que está a assistir, tenho quatro palavras para si: Turn up the volume (Aumente o volume)." Para ouvir melhor o que Zohran Mamdani tem para lhe dizer. "Vamos responsabilizar os maus senhorios, porque os Donald Trumps da nossa cidade ficaram demasiado confortáveis a tirar partido dos seus inquilinos. Vamos pôr fim à cultura de corrupção que permitiu que bilionários como Trump evadissem impostos e explorassem benefícios fiscais. Vamos apoiar os sindicatos e expandir as proteções laborais, porque sabemos, tal como Donald Trump, que quando os trabalhadores têm direitos inabaláveis, os patrões que procuram extorqui-los tornam-se realmente muito pequenos."
Apesar das políticas federais da Administração Trump em sentido contrário, Mamdani garante: "Nova Iorque continuará a ser uma cidade de imigrantes, uma cidade construída por imigrantes, impulsionada por imigrantes e, a partir desta noite, liderada por um imigrante. Por isso, ouça-me, presidente Trump, quando digo isto. Para chegar a qualquer um de nós, terá de passar por todos nós."
Admitiu igualmente: "A sabedoria convencional diria que estou longe de ser o candidato perfeito. Sou jovem, apesar dos meus esforços para envelhecer. Sou muçulmano. Sou um socialista democrático." Recusa-se a pedir desculpas por qualquer uma dessas coisas.
Não passou ao lado de um recado para o seu próprio partido: "Demasiados trabalhadores não se reconhecem no nosso partido. E demasiados entre nós voltaram-se para a direita em busca de respostas para o motivo pelo qual foram deixados para trás. Deixaremos a mediocridade no nosso passado. Já não teremos de abrir um livro de história para provar que os democratas podem ousar ser grandes. A nossa grandeza será tudo menos abstrata. Será sentida por cada inquilino com renda estabilizada que acorda no primeiro dia de cada mês, sabendo que o valor que vai pagar não subiu em relação ao mês anterior. Será sentida por cada avô que pode ficar na casa pela qual trabalhou e cujos netos vivem perto porque o custo dos cuidados infantis não os mandou para Long Island. Será sentida pela mãe solteira que está segura no seu trajeto para o trabalho e cujo autocarro é rápido o suficiente para que ela não precise apressar-se para deixar os filhos na escola e chegar a tempo ao trabalho. E será sentida quando os nova-iorquinos abrirem os jornais pela manhã e lerem manchetes de sucesso, não de escândalos. Acima de tudo, será sentida por cada nova-iorquino quando a cidade que eles amam finalmente os amar a eles também."
Terminou com o reiterar de outras promessas além do congelamento das rendas: "Nova Iorque, vamos tornar os autocarros rápidos e gratuitos! Juntos, Nova Iorque, vamos oferecer cuidados de saúde universais! Que as palavras que dissemos juntos, os sonhos que sonhámos juntos, se tornem a agenda que vamos cumprir juntos. Nova Iorque, este poder é teu. Esta cidade pertence-vos."