Do Magalhães ao pernil. As relações entre Portugal e Venezuela sempre envoltas em polémica
Com 400 mil portugueses na Venezuela, as relações com o país são inevitavelmente estreitas. Mas nem sempre foram pacíficas.
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Entre Nicolás Maduro e Juan Guaidó, o engenheiro mecânico de 35 que esta quarta-feira se autoproclamou Presidente interino da Venezuela, Portugal já escolheu um lado.
O regime de Maduro "tem de perceber que a sua hora acabou", diz Augusto Santos Silva, que ressalva a necessidade de "realizar, no mais curto espaço de tempo possível, eleições justas e livres", ou seja, "em que diferentes partidos possam concorrer, segundo regras aceites por todos, e de forma a que as pessoas possam escolher livremente."
No processo para o conseguir, sublinha o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Portugal assume "um compromisso em apoiar a Venezuela".
A relação com o regime venezuelano azedou depois da detenção de gerentes de supermercados, todos portugueses ou lusodescendentes, acusados de impedir o abastecimento de produtos básicos e de violarem as leis que regulam os preços no país.
Maduro ultrapassou a "linha vermelha" definida por Santos Silva e este não marcou presença na tomada de posse do novo mandato.
Parecem ter sido sempre assim as relações entre Portugal e a Venezuela - ora de mão estendida para ajudar, ora pronta a esbofetear o outro. E nos bons e maus momentos, sempre marcadas pela polémica.
Em 2017, Maduro acusou o Governo português de estragar uma das tradições de Natal mais queridas dos venezuelanos ao "sabotar" a importação de pernil de porco por parte do seu Governo.
"O que se passou com o pernil? Fomos sabotados e posso dizer de um país em particular, Portugal. Estava tudo pronto, comprámos todo o pernil que havia na Venezuela, mas tínhamos que importar e sabotaram a compra", disse Nicolás Maduro, depois de não cumprir a promessa de distribuir aquele produto a preços subsidiados.
O Governo não exporta pernis, respondeu na altura Santos Silva. Mas exporta computadores.
Em setembro de 2008, o presidente Hugo Chávez, anunciou a compra de um milhão de computadores Magalhães a Portugal. Desde aí mudaram de nome para Canaima, mas continuam a ser uma ferramenta de trabalho nas escolas venezuelanas.
"É um verdadeiro computador que aguenta bombardeamentos", elogiou o antecessor de Maduro ao assinar vários acordos de cooperação bilateral, ao lado do ministro da Economia e Inovação português, Manuel Pinho, e do então primeiro-ministro, José Sócrates.
Mas não faltaram picardias entre Sócrates e Chávez. Caracas teve de pedir desculpa depois de usar uma imagem do português em cartazes de propaganda eleitoral, para atestar as suas boas relações com líderes europeus.
O cartaz foi retirado e, anos depois, Chávez "vingou-se" ao brincar com a dupla "Pino y Lino", ministros da Economia e das Obras Públicas, respetivamente. O momento ficou eternizado pelos Gato Fedorento.
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Foi Mário Soares quem apresentou Chávez a José Sócrates e o trouxe pela primeira vez a Portugal.
Soares sim, amigo, amigo, sempre defendeu que Chávez "nunca foi um ditador", era "amigo dos pobres" e um "homem bom".
Em 2008, o então Presidente venezuelano inaugurava o regresso do programa "Conversas de Mário Soares" à televisão.
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Também para Paulo Portas, Hugo Chávez era "amigo de Portugal", em especial quando, em 2012, Portugal aumentou o valor das exportações para a Venezuela em 60%, tornando-se o segundo maior cliente na América Latina.
Primeiro Sócrates, depois Portas, desenvolveram uma estreita cumplicidade política e económica com os chavistas. Por várias vezes visitaram o país com comitivas empresariais e consta que o antigo presidente venezuelano também passava por Portugal sempre que se deslocava à Europa.
Maduro não lhe ficou atrás em amizade e fica para a história um "abraço fraterno".
Na "Operação Marquês" e no chamado caso das "offshores" descobriu-se mais tarde que as operações comerciais luso venezuelanas nem sempre foram inocentes, antes resultaram em prejuízos económicos e financeiros.
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