Tributação "injusta", Portugal em "situação pior" e futuro "negro" para agricultura: "Ao dia de hoje, orçamento europeu não passaria no parlamento"
A tributação das grandes empresas com um volume de negócios superior a 50 milhões de euros e a proposta para a PAC têm sido alvo de forte contestação
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As críticas à proposta da Comissão Europeia para o próximo Quadro Financeiro Plurianual têm aumentado de expressão, com a erosão de políticas consideradas como pilares históricos da construção comunitária: desde a tributação "injusta" das grandes empresas, a ameaça de Portugal ficar numa "situação pior" ao futuro que se poderá avizinhar "negro" para a agricultura, há quem dê como certo que, ao dia de hoje, o orçamento europeu seria chumbado.
A relatora do Quadro Financeiro Plurianual, a eurodeputada Carla Tavares (PS), avisa que, sem mudanças profundas, o Parlamento Europeu não aprova a proposta da Comissão para o orçamento 2028 a 2034.
"Se tivéssemos de votar ao dia de hoje, tenho a certeza absoluta de que não passaria no parlamento", garante, no Fórum TSF desta sexta-feira.
A eurodeputada socialista mostra-se muito preocupada com a possibilidade de a proposta de Bruxelas obrigar a cortes nos fundos para a agricultura e para a coesão, já que está previsto que a futura Política Agrícola Comum (PAC) deverá ser mais simples, ao ter apenas um pilar e manter-se como uma política separada, incluindo verbas reservadas.
Carla Tavares insiste, por isso, que o parlamento e a Comissão Europeia devem "fazer um grande trabalho conjunto", para melhorar a proposta.
Já o secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) descreve mesmo a apresentação desta proposta como "um dia muito negro para a agricultura portuguesa". Luís Mira vai mais longe e denuncia uma tentativa de "propaganda".
Não vale a pena andarmos com meias conversas: a propaganda da Comissão é que o orçamento era o maior de sempre, mas é o maior de sempre só no discurso. Porque, na prática, para a coesão e agricultura, há um corte muito grande. É incompreensível que o orçamento aumente 40% e para a agricultura diminua 22%.
A CAP pede, por isso, a intervenção do Governo português na defesa dos interesses do setor, lembrando que a PAC é uma das "políticas mais antigas da União Europeia".
"Não há uma Europa forte sem uma PAC forte. Muito se fala na necessidade de fazer investimentos em defesa, mas, sem a capacidade de produzir alimentos, não há defesa que nos valha", argumenta.
O ministro da Economia, Manuel Castro Almeida, já tinha garantido que Portugal vai defender que é "muito importante garantir fundos específicos para a agricultura", até porque "não faz muito sentido estar a fazer uma opção entre rendimentos dos agricultores ou construir uma escola ou um hospital. Isso não é opção que se faça".
A Comissão Europeia propôs ainda um orçamento da UE a longo prazo até 2034 de dois biliões de euros, acima dos 1,2 biliões do atual quadro, que inclui mais contribuições nacionais e novos impostos. As novas receitas (recursos próprios) agora propostas abrangem um imposto especial sobre o consumo de tabaco, um recurso empresarial para a Europa (CORE), e impostos sobre os resíduos e comércio eletrónico e impostos sobre os lucros das empresas com um volume de negócios superior a 50 milhões de euros.
O eurodeputado do PSD Helder Sousa Silva destaca desde logo que, para que as empresas possam ser mais competitivas, é preciso dar-lhes a "garantia" de que não lhes será pedido "mais sacrifícios". Assegura que o partido de tudo fará para que Portugal "possa manter e ampliar, inclusivamente, o nível de ambição nas políticas antigas, mas também nas novas, sem sacrificar os cidadãos".
Reconhece ainda a importância de falar a "uma única voz", destacando a "boa relação com o Governo português", e afirma que os sociais-democratas "não têm tido muitas divergências" com os socialistas: "Aquilo que nos tem unido é o superior interesse dos portugueses e de Portugal."
Já Armindo Monteiro, presidente da Confederação Empresarial de Portugal (Cip), lamenta que da necessidade de mais resulta resulte como "primeiro instrumento" o aumento dos impostos e avisa que taxar as grandes empresas — "onde é produzida a riqueza" — pode matar a "galinha dos ovos de ouro", ao empurrá-las para fora da Europa.
"Portugal arrisca-se a ficar numa situação pior do que estava anteriormente", alerta também o eurodeputado comunista, João Oliveira, que aponta que as questões da política social e coesão passam a ser "secundárias", perante outras prioridades definidos por Bruxelas.
"São questões absolutamente cruciais que vão significar para Portugal uma posição de desfavor, não só relativamente a outros países dentro da União Europeia, mas de desfavor relativamente ao passado", explica.
Com a proposta para a fusão de fundos, assevera que Portugal "vai ser obrigado a escolher entre a coesão e o apoio à agricultura ou entre a gestão das fronteiras e da política social".
Paulo Sande, especialista em assuntos europeus e antigo diretor do gabinete do Parlamento Europeu em Portugal, recupera o tema tributário para identificar vários defeitos decorrentes de uma maior carga fiscal sobre as empresas.
"Um dos defeitos principais é ser um imposto que, por um lado, aposta no aumento da competitividade europeia e, por outro lado, vai taxar empresas de uma forma igualitária. No fundo, é uma taxa regressiva", diz, acrescentando que esta não é uma medida "correta ou justa".
Embora o pontapé de saída esteja dado, Paulo Sande nota que se sabe sempre como começa o jogo, mas nunca como ele acaba.
No âmbito do Quadro Financeiro Plurianual 2028-2034, o executivo comunitário avançou com uma proposta para a PAC que prevê a junção dos atuais dois pilares (pagamentos diretos anuais e desenvolvimento rural, que dá apoios multianuais) em apenas um, de apoio ao rendimento dos agricultores focado em resultados. Os instrumentos são mantidos, mas deixam de estar separados por pilar ou por modo de financiamento.
Bruxelas quer tais verbas em planos de parceria nacionais e regionais, que abrangem 302 mil milhões para o apoio ao rendimento da PAC e para as pescas, incluindo uma reserva agrícola duplicada (900 milhões de euros ao ano).
Os apoios na nova PAC proposta pela Comissão serão mais direcionados, com um plafonamento de cem mil euros nos pagamentos por área para as explorações agrícolas e introduz um fator de degressividade, garantindo que as mais pequenas recebem mais verbas.
A PAC é uma das políticas mais antigas da UE, criada em 1952, e no QSF 2021-2027 teve um orçamento de 387 mil milhões de euros.
O atual orçamento da UE a longo prazo (2021-2027) é de 1,21 biliões de euros (o que inclui cerca de 800 mil milhões de euros a preços correntes do Mecanismo de Recuperação e Resiliência, que financia os PRR), envolvendo contribuições nacionais de 1,1%.
