Antigo vice-chefe do Estado-Maior do Exército admitiu no parlamento o impacto que o furto teve na estrutura militar, mas saiu em defesa de Rovisco Duarte. "Urgência" em modernizar os paióis era conhecida.
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O Tenente-General Fernando Serafino, antigo vice-chefe do Estado-Maior do Exército (CEME), disse, esta terça-feira, na comissão parlamentar de inquérito ao furto de armas em Tancos, que o assalto, em junho de 2017, foi uma situação que "bateu muito fundo", com "consequências muito grandes para nós e para toda a gente" e que "abalou" o Exército.
Ao longo de mais de quatro horas de audição, o militar - que chegou ao cargo de vice-CEME em setembro de 2017, após o furto de material militar, e que deixou o cargo no início de dezembro de 2018, passando, por opção e "ética", à reserva -, defendeu que o furto "não podia ter acontecido" e descreveu-o como um "acontecimento grave", mas sublinhou que "falta conhecer em rigor" o que aconteceu.
"O apuramento de toda a verdade pode fazer toda a diferença", disse por diversas vezes perante os deputados, a quem lembrou a primeira vez que entrou no perímetro dos Paióis Nacionais: uma infraestrutura "antiga" e a precisar de uma "remodelação de fundo", onde havia uma "rede enferrujada ou postos de vigia com alguns vidros partidos".
"Havia urgência de se investir na modernização dos Paióis de Tancos", disse o Tenente-General Fernando Serafino, que referiu que os problemas foram registados em 2012 e que voltou a deparar-se com eles em 2014, já enquanto comandante da Logística do Exército. Ainda assim, apesar de reconhecer a "fragilidade" da segurança, salienta que falta saber "como é que alguém lá entrou, como entrou e porque é que ninguém detetou".
Outro dos dados apresentados na comissão de inquérito pelo oficial foi o facto de o programa de modernização dos Paióis Nacionais ter sido iniciado logo em 2016, quando o general comandava a Logística do Exército. Uma posição que vai ao encontro das palavras do coronel Amorim Ribeiro, que revelou que o novo sistema de videovigilância - que nunca chegou a ser implementado - estaria a ser preparado muitos meses antes do assalto.
"Lanço o programa de modernização, saio [da Logística do Exército], acontece o assalto e nada disto faz. Uma das maiores ironias da minha vida", disse.
Quanto ao efetivo responsável pela segurança em Tancos, o oficial registou que, de uma forma genérica, a falta de efetivos é uma realidade que está "efetivamente a agravar-se", mas reiterou: "Nunca vi escrito que não havia gente suficiente nos Paióis". Aos deputados, o antigo vice-chefe do Estado-Maior do Exército disse ainda que o que acontecia em Tancos "não era uma brincadeira" e que os militares "não iam para lá dormir", mas admitiu , no entanto, que um período de vinte horas sem qualquer ronda é "inaceitável",
"O caso de Tancos acaba por ser não um alarme para as condições de segurança militar, mas para as condições vividas pelo Exército nos últimos anos", acrescentou.
Rovisco Duarte foi aconselhado a não exonerar comandantes, mas não ouviu
Numa audição em que saiu em defesa do general Rovisco Duarte - o então chefe do Estado-Maior do Exército -, o Tenente-General Fernando Serafino afirmou que o seu superior "não foi o culpado disto tudo", mas deixou criticas à forma como reagiu após o furto, procedendo à exoneração temporária de cinco comandantes.
"Eu não estava de acordo com a decisão", disse, acrescentando que aconselhou Rovisco Duarte para que não o fizesse: "A minha preocupação não era saber se eram exonerados, era saber porquê. E disse que ainda era cedo, que tínhamos de manter a cabeça fria e segurar o processo antes que descambasse", assinalou, lembrando que não foi consultado, mas sim informado da decisão.
Noutra nota sobre o então chefe do Estado-Maior do Exército, o Tenente-General Fernando Serafino afirmou que Rovisco Duarte "não teve sorte nenhuma" em "algumas questões" ao longo do mandato, o que o terá levado a tomar a decisão de exonerar cinco comandantes logo após o furto. "Afastou os comandantes com esta ideia de uma obsessão pela transparência", disse aos deputados, perante os quais defendeu que Rovisco Duarte "cometeu um erro de excesso de generosidade" ao advertir, no imediato, a estrutura militar.
Reaparecimento do material militar motivou "alívio" e "surpresa"
Questionado pelos deputados sobre o aparecimento do material militar - que foi encontrado na Chamusca, em outubro de 2017 -, diz ter sentido um "certo alívio" por se tratar de "material perigoso". Porém, foi com uma "surpresa muito grande " que percebeu que a recuperação das armas poderia ter sido encenada".
"Houve quase uma cultura de futebol em serviços do Estado que não poderia ter havido", lamentou, adiantando ainda que não teve quaisquer contactos com a Polícia Judiciária Militar antes ou depois do reaparecimento do material militar: "Não tenho, não tive e não tinha", sublinhou.
Quanto ao coronel Luís Vieira, ex-diretor da Polícia Judiciária Militar - e detido preventivamente após o furto -, o oficial diz sobre ele as "melhores referências".
A comissão parlamentar de inquérito ao furto de material militar em Tancos tem previstas audições a 63 personalidades e entidades. Decorre durante 180 dias, até maio de 2019, e é prorrogável por mais 90 dias, para que se possa chegar a conclusões.