Já sabemos que canta, mas será que encanta as bases do PSD? O fantasma da direção de Rui Rio, apresenta-se a eleições internas para fazer "oposição firme e exigente", não renegando o eleitorado do centro, mas piscando o olho à direita. Com polémicas a assombrar a candidatura, quem é Luís Montenegro?
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46. Esta é uma idade marcante para a liderança no PSD, já que tanto Cavaco Silva como Pedro Passos Coelho chegaram à São Caetano à Lapa aos 46 anos - os mesmos que hoje tem Luís Montenegro. Para quem é adepto de numerologia ou acredita em coincidências, este será talvez um bom augúrio, mas a verdade é que Montenegro não tem a vida assim tão facilitada.
Advogado de formação, Luís Montenegro chegou ao Parlamento em 2002 e ficou até 2018. Pelo caminho, em 2005, concorreu à presidência da autarquia daquela que considera a sua terra - Espinho - mas perdeu. Antes, em 2001, também já tinha tentado a câmara, mas igualmente sem sucesso. Líder parlamentar do PSD de Pedro Passos Coelho em plena crise e com a troika em Portugal, Luís Montenegro já há algum tempo que anseia pela presidência do partido.
Nos bastidores e fora deles, muitos o apontavam como um dos sucessores naturais de Pedro Passos Coelho. Em 2018, admitiu a hipótese, mas não se chegou à frente e acabou a apoiar Santana Lopes nas últimas eleições diretas. E ainda Rui Rio não tinha aquecido a cadeira da liderança e já Montenegro ia avisando que ia andar por aí. No congresso que confirmou Rio como presidente, o antigo líder parlamentar, depois de garantir que não ia fazer oposição interna ao presidente do PSD, deixou bem claro: "se algum dia decidir dizer "sim", não vou pedir licença a ninguém". E não pediu...
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Apenas um ano depois destas diretas, desafiou a liderança de Rui Rio, alegando que o PSD tinha chegado a um estado "mau, preocupante e irreversível". "Estou disponível para me candidatar de imediato à liderança do PSD", garantiu Montenegro em janeiro de 2019, momento que deixou o partido a ferro e fogo com o Conselho Nacional a que Rui Rio se costuma referir como "golpe de Estado".
À época, Rio não convocou eleições no partido , deixou à consideração do Conselho Nacional levando uma moção de confiança a votação e que venceu com 75 votos a favor. Derrota para Montenegro que, antes de sair de cena para estudar num programa de gestão avançada para executivos promovido pelo Instituto Europeu para Administração de Empresas, em França, garantiu em conferência de imprensa que "as divergências" não tinham desaparecido, mas que ia dar espaço a Rui Rio para preparar as eleições que se avizinhavam. No entanto prometeu ficar atento e com uma certeza: "A minha iniciativa teve um efeito inegável, acordou um gigante adormecido que é o Partido Social Democrata. Estou convencido de que nada vai ficar como antes".
Dito e feito. Fora dos holofotes mediáticos, apareceu publicamente apenas na campanha das Europeias quando a caravana passou por Espinho e, nas legislativas, esteve em Leiria e Viseu a convite dos cabeças-de-lista. Entretanto, no parlamento e fora dele, alguns apoiantes não facilitavam o trabalho a Rui Rio. Algo que mais tarde, já em plena campanha para a liderança do partido, foi reconhecido pelo próprio. "Admito que possa ter havido exageros de algumas pessoas que discordaram de Rui Rio, não vou estar com um discurso cândido de que não houve dificuldades no caminho de Rui Rio criadas por companheiros de partido, claro que houve. Mas também houve muito a instigação da liderança para a manifestação dessas divergências", afirmou Luís Montenegro numa iniciativa da JSD no Fundão.
O fantasma e os seus fantasmas
Se se pode dizer que Luís Montenegro foi um fantasma a assombrar o mandato de Rui Rio na presidência do partido, o próprio antigo líder parlamentar tem algumas assombrações que podem dificultar a ascensão no PSD. A maçonaria é a primeira.
O tema deu pano para mangas no único debate entre os candidatos à presidência do partido e Montenegro deixou claro perante as críticas de Rui Rio. "Não sou da maçonaria", sublinhou Montenegro realçando que apenas esteve num jantar. A ligação à maçonaria (mais precisamente à Loja Mozart) foi tornada pública pelo Expresso em 2012 e também abordada no livro "O Fim dos Segredos" da jornalista Catarina Guerreiro sobre a maçonaria e a Opus Dei. Daí até agora, o tema vai aparecendo com o antigo líder parlamentar a negar a filiação nesta ordem secreta.
Mas o maior dos fantasmas, pela mancha que pode causar, está associado à polémica das viagens de políticos ao Euro 2016. Juntamente com os apoiantes Hugo Soares e Luís Campos Ferreira, Montenegro foi constituído arguido pelo alegado recebimento indevido de vantagem numa investigação levada a cabo pelo Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa.
Sobre este assunto, Montenegro deixa claro que tem "a consciência tranquila". Questionado na SIC quando confirmou que ia ser candidato à liderança, o social-democrata garantiu estar à espera, "com toda a serenidade e tranquilidade", pelo desfecho do inquérito. "Não cometi nenhum crime, tenho consciência plena de que não cometi nenhum crime e não vou deixar de exercer nenhum dos meus direitos cívicos e políticos por causa disso. Tenho a certeza absoluta de que jamais serei condenado pela prática dos crimes que me foram imputados", garante.
Há ainda um terceiro fantasma, mas esse já foi devidamente exorcizado. Há dois anos, foi notícia que entre 2014 e 2018, a sociedade de advogados da qual Montenegro é sócio obteve contratos por ajuste direto das câmaras municipais de Espinho e Vagos (ambas lideradas pelo PSD) no valor de 400 mil euros. No entanto, a subcomissão de Ética da Assembleia da República concluiu que não havia uma situação de "impedimento" para o antigo líder parlamentar.
Montenegro canta. Será que encanta?
Casado e pai de dois filhos, Luís Montenegro é conhecido por fazer um arroz de marisco de comer e chorar por mais. Mas não foi isso que foi fazer ao Programa da Cristina, na SIC, onde António Costa e Assunção Cristas mostraram os dotes culinários. Aí - e já em plena campanha interna - Montenegro mostrou outro tipo de dotes, no caso vocais, ao ter feito um dueto em direto com Toni Carreira a cantar a música "Sonhos de Menino".
E de menino vem também o gosto pelo futebol, dentro e fora de campo. Adepto do Futebol Clube do Porto, gosta de marcar golos, disse outrora à TSF, lembrando os jogos em Espinho onde assume a posição de ponta-de-lança. Montenegro, que também foi nadador salvador, chega para tentar tirar o PSD das mãos de Rui Rio porque o partido " não está condenado ao definhamento ". Se é ou não um salvamento, isso só o tempo o dirá, mas a ambição está lá toda: vencer o partido, vencer as autárquicas e depois o país. De preferência, como Cavaco Silva o fez: com maioria absoluta.