"Há sempre grande veemência" no Conselho de Estado: "Entre o que se passa e aquilo que se imagina vai um oceano"
Em entrevista à TSF, a escritora e conselheira de Estado distinguida com o Prémio Eduardo Lourenço lamentou que a mais recente reunião tenha gerado "tanta confusão e tanta invenção".
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O último Conselho de Estado fez correr muita tinta, fruto de um silêncio do primeiro-ministro que se tornou incómodo para o país político e que o Presidente da República veio a público garantir que não tinha nascido de qualquer "querela" entre os dois. Aliás, Marcelo até se revelou ofendido não só com o que foi uma quebra de sigilo, mas também com a versão "contrária à verdade" que acabou por fazer caminho.
Naquele dia, no Palácio de Belém, estava Lídia Jorge: escritora, conselheira de Estado e a mais recente vencedora do Prémio Eduardo Lourenço, ensaísta de quem é admiradora confessa. O que se passa nas reuniões por lá fica, até porque é um órgão que está "sujeito a discrição máxima e absoluta", assinala na TSF, mas acontece sempre "com grande, grande veemência".
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E terá a mais recente reunião, que até aconteceu em duas partes porque o primeiro-ministro teve de sair a meio da primeira vez, sido diferente nesse sentido? "Não posso dizer. Houve tanta, tanta, tanta confusão em torno e tanta invenção a partir daí...", lamenta Lídia Jorge. Adianta apenas que, em todas as reuniões, "as pessoas são muito, muito veementes, muito fortes, muito intrépidas na defesa dos seus pontos de vista".
Para a conselheira de Estado é "muito curioso perceber como o mundo contemporâneo, de facto, subverte as coisas, porque entre o que se passa e aquilo que se imagina vai um oceano, sabe?"
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Confessando que o "mais importante que tem acontecido" é que as pessoas "são fortes, são sinceras e expressam com toda a liberdade, e muitas vezes com veemência - bastante veemência - aquilo que estão a pensar". No fundo, o Conselho de Estado é, "de algum modo, uma espécie de caixa de síntese daquilo que está a ocorrer no país", algo que vê como "muito interessante".
"Devo dizer que aprendo, não sei se ajudo muito ou pouco, não é, porque apenas sou uma pessoa que, como nunca tive cargos políticos, a minha voz é uma voz parecida à de qualquer pessoa que caminha na rua", reconhece.
E entre pessoas "de formações variadíssimas", acaba por encontrar um "denominador comum" que diz admirar: "As pessoas amam o país e querem o melhor pelo país, ainda que por portas completamente diferentes. Isso dá-me conforto, penso que afinal nem tudo é distúrbio, nem tudo é confusão, nem tudo é suspeita de que o outro queira alguma coisa que não lhe é devida. Não, o pensamento é liso, o pensamento é claro e eu sinto que as pessoas que ali estão queriam, de facto, que o país avançasse mais."
São as revelações possíveis de uma conselheira de Estado sobre os encontros que reúnem, por inerência, os titulares dos cargos de presidente da Assembleia da República, primeiro-ministro, presidente do Tribunal Constitucional, provedor de Justiça, presidentes dos governos regionais e antigos presidentes da República, a que se juntam Lídia Jorge, António Lobo Xavier, Luís Marques Mendes, Leonor Beleza, António Damásio e ainda Carlos César, Manuel Alegre e António Sampaio da Nóvoa, indicados pelo PS, Francisco Pinto Balsemão e Miguel Cadilhe, designados pelo PSD.
Lídia Jorge venceu esta sexta-feira a 19.ª edição do Prémio Eduardo Lourenço, anunciou hoje o Centro de Estudos Ibéricos (CEI). "O júri, por unanimidade, decidiu que o Prémio Eduardo Lourenço em 2023 será atribuído à escritora Lídia Jorge", revelou o presidente da Câmara Municipal da Guarda, Sérgio Costa, e elemento da direção do CEI.