JMJ: perdão e amnistia para jovens pode violar princípios da igualdade e laicidade

Vitalino Canas
Filipa Bernardo/Global Imagens
O constitucionalista Vitalino Canas questiona a proposta de lei que prevê perdão e amnistia para jovens a propósito da vinda do Papa a Portugal.
Corpo do artigo
Vitalino Canas, professor de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, tem dúvidas quanto aos critérios de perdão de penas e amnistia de crimes praticados por jovens entre os 16 e 30 anos até ao dia 19 de junho de 2023.
A proposta de lei apresentada pelo Governo não abrange crimes graves e foi aprovada em Conselho de Ministros extraordinário no âmbito da vinda do Papa Francisco a Portugal, para a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), na primeira semana de agosto.
Em declarações à TSF esta segunda-feira, Vitalino Canas considera o critério da idade é "frágil" porque pode não cumprir o princípio da igualdade. As amnistias devem ser concedidas quando estão em causa questões fundamentais relacionadas com a comunidade portuguesa no seu todo, não apenas com uma parte da população, nota.
"O princípio geral da igualdade determina que ninguém pode ser discriminado sem haver uma razão que fundamente essa discriminação, sem haver um critério que permita a diferenciação entre várias categorias de pessoas. E, sinceramente, parece-me que o critério da idade - neste caso os que tenham até 30 anos podem ser amnisticiados ou podem ver as suas penas reduzidas, e outros que tenham mais dia do que isso já não podem - parece um critério realmente frágil."
TSF\audio\2023\07\noticias\03\_entrevista_vitalino_canas
O especialista em Direito Constitucional defende ainda que é preciso pensar na possibilidade de esta proposta violar a laicidade do Estado, já que a proposta se insere no quadro da JMJ com a presença do Papa Francisco, "cujo testemunho de vida e de pontificado está fortemente marcado pela exortação da reinserção social das pessoas em conflito com a lei penal", justifica o Governo.
"A maior parte da população portuguesa tem convicções religiosas católicas, a outra parte não tem. Parece-me, portanto, que a amnistia ser fundamentada num acontecimento que tem um fundo essencialmente religioso não é, à primeira vista, muito fácil enquadrar desse princípio da laicidade", aponta Vitalino Canas.
O perdão e amnistias não podem ser banalizados, defende o constitucionalista, pelo que o primeiro a fazer é pensar se existe um motivo válido para conceder este tipo de medidas de clemência.
A última vez que foram aprovadas medidas semelhantes de perdão de penas e amnistia de infrações penais ocorreu durante a pandemia, com objetivo de reduzir a população prisional e evitar surtos de Covid-19.
O diploma aprovado em Conselho de Ministros em junho estabelece o perdão de um ano para todas as penas até oito anos de prisão, sendo adicionalmente fixado um regime de amnistia que compreende as contraordenações cujo limite máximo de coima aplicável não exceda 1000 euros e as infrações penais cuja pena não seja superior a um ano de prisão ou a 120 dias de pena de multa.
Estão excluídos crimes de homicídio, de infanticídio, de violência doméstica, de maus-tratos, de ofensa grave à integridade física, de mutilação genital feminina, de ofensa à integridade física qualificada, de casamento forçado, de sequestro, contra a liberdade e autodeterminação sexual, de extorsão, de discriminação e incitamento ao ódio e à violência, de tráfico de influência, de branqueamento ou de corrupção, bem como crimes rodoviários, nomeadamente condução perigosa de veículo rodoviário e de condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, e também, no âmbito das contraordenações, as que forem praticadas sob influência de álcool ou de drogas.
A proposta de lei, a submeter à Assembleia da República, já foi apresentada para parecer ao Conselho Superior do Ministério Público, que afirma que o documento merece ponderação, sem nunca referir que é inconstitucional.