"Nomes não caem do vazio." Socióloga acusa Igreja de escolher lado de alegados agressores e desvalorizar voz das vítimas
No Fórum TSF, Ana Nunes de Almeida mostrou-se "surpreendida" com o facto de nenhum dos padres suspeitos de abusos sexuais ser afastado preventivamente. A socióloga considera que este "é o discurso de sempre", mas espera que esta reação da Igreja seja apenas "um mau começo".
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Ana Nunes de Almeida, a socióloga que pertenceu à Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais na Igreja Católica, mostra-se estupefacta com a reação da Igreja na conferência de imprensa, na sexta-feira, em Fátima, após ter recebido a lista com os nomes dos mais de cem padres suspeitos de abusos sexuais.
"Depois de termos estado, de manhã, na Assembleia da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), deparámo-nos com um final do dia atabalhoado, parecia mal preparado, num tom que o papa Francisco, muitas vezes, descreve como típico do clericalismo: defender a reputação da Igreja, a instituição, zero empatia, compaixão e sensibilidade perante o sofrimento das vítimas que foram ali esquecidas. As vítimas deviam estar na linha da frente de toda aquela narrativa e não estavam. Eu fiquei bastante surpreendida com este contraste", afirmou, em declarações no Fórum TSF.
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Nenhum dos mais de cem padres suspeitos vai ser afastado preventivamente, tendo José Ornelas, presidente da Conferência Episcopal, sublinhado a necessidade de a Igreja ter uma base sólida. Ana Nunes de Almeida sente que o bispo José Ornelas fala de uma forma, mas o presidente da Conferência Episcopal, José Ornelas, não tem o mesmo discurso.
"O bispo José Ornelas, que, por exemplo, defende com veemência o trabalho da comissão independente, a necessidade desse trabalho ter consequências práticas, e que critica, sem rodeios, os negacionistas e as alas mais conservadoras da Igreja portuguesa, e depois, o presidente da CEP, que está ali numa posição desconfortável, talvez a tentar fazer a quadratura do círculo", explicou.
A socióloga considera que, ao recusar-se suspender os alegados abusadores, a Igreja escolheu o lado do agressor.
"Quem tivesse ouvido a conferência de imprensa pensaria que a hierarquia da Igreja é uma hierarquia que está sobretudo preocupada em defender alegados abusadores e alegados encobridores, e não as vítimas. Não tenho dúvidas que isso não traduz a visão de toda a Igreja", defende.
A Igreja, diz Ana Nunes de Almeida, acabou por desvalorizar o testemunho das vítimas. "As vítimas que prestaram o seu testemunho, ao ouvirem determinadas declarações, têm legitimidade para pensar 'mas porque é que eu fui dar o meu testemunho se isto não serve para nada?' Outra vez, reduzidas à sua irrelevância, à desacreditação da sua experiência, uma experiência que foi única, que marcou e foi devastadora numa vida que é irrepetível."
Ana Nunes de Almeida espera que esta reação da Igreja seja apenas um mau começo.
"Talvez não seja uma situação definitiva, que seja um mau começo, um começo desajeitado mas que ainda haja algum tempo para emendar, porque é difícil assistir-se ao que assistiu. Ponha-se no lugar de uma vítima que está a ouvir aquele discurso. É o discurso de sempre", sublinha, referindo que a lista com os nomes dos alegados abusadores, apresentados pelo grupo de investigação, "não é novidade nenhuma para os bispos".
"Os nomes não caem do vazio, não são atirados à solta. São nomes que têm uma história por trás, que os bispos e os provinciais conhecem perfeitamente. Não consigo explicar aquelas afirmações do senhor cardeal patriarca à saída da missa de ontem, porque na sua equipa houve gente que esteve a trabalhar com os historiadores, com os nomes de alegados abusadores associados à diocese de Lisboa", acrescenta.