Para algumas famílias só é possível comprar medicamentos com apoios solidários
Sem ajuda, seria impossível para Tânia assegurar toda a medicação de que a mãe precisa. O programa Abem apoia famílias que fazem contas à vida na hora de ir à farmácia. A Associação Dignitude diz que os pedidos de ajuda têm vindo a aumentar.
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Ainda é uma realidade em "muitas casas". Na hora de fazer as contas ao orçamento familiar, há quem opte por não comprar medicamentos para poder ter o que comer e conseguir pagar outras despesas. É o caso da família de Tânia. Ou era. A vida desta família virou a página com a ajuda solidária.
Conhecemos Tânia no Centro Comunitário e Paroquial de Rio de Mouro. Ocultamos o apelido para proteger a identidade desta família. Esta é a casa onde trabalha, no apoio domiciliário aos mais velhos, mas também é a casa que, através da sua matriz solidária, a ajuda a ter um início de mês mais aliviado.
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A hora de almoço já lá vai, e, por isso, nem parece que estamos num espaço social onde os mais novos passam grande parte dos dias, ou não estivesse a creche a poucos degraus de distância. Reina o silêncio absoluto. É neste cenário que conhecemos a história da família.
As escolhas de um orçamento limitado
Tânia tem 36 anos. Tem trabalho. Mas precisa de ajuda para conseguir enfrentar todas as despesas. "Vivo com a minha mãe e com as três filhas numa casa da câmara", conta. O orçamento não estica. "É só o meu ordenado, que é o ordenado mínimo, e a reforma da minha mãe, que é baixa. Vamos vivendo minimamente, comprando o que podemos", admite.
A mãe tem diabetes, hipertensão e outros problemas de saúde. Ao final do mês, a fatura na farmácia é longa. "Ultrapassa os 300 euros e qualquer coisa", resume. Não é preciso ser um ás da matemática para perceber que a ginástica ao final do mês é complicada e exige escolhas e ponderações por vezes difíceis.
Para comprar medicamentos, Tânia conta desde 2020 com a ajuda do cartão do programa Abem, da associação Dignitude. A família foi referenciada pelo centro paroquial. Antes disso, era impossível assegurar por completo a medicação da mãe. "Não comprava toda a medicação, a minha mãe deixava de tomar alguns medicamentos e depois tinha várias recaídas. Tinha de ir com ela para o hospital. Não conseguia comprar os medicamentos, porque são mesmo muitos medicamentos", confessa Tânia.
Tânia e a família são algumas das 12 mil pessoas que têm esta ajuda extra todos os meses. São referenciadas famílias em que o rendimento mensal por pessoa é inferior a 250 euros.
A diretora executiva da associação Dignitude, Maria João Toscano, diz que há cada vez mais pedidos de ajuda. "O número tem vindo a aumentar porque as condições do país também se agravam. E isto puxa tudo para baixo", sintetiza.
O trabalho de referenciação das famílias é feito por cerca de 180 instituições que, de forma regular, estão em contacto permanente com a associação para garantir que a ajuda chega, de facto, a quem mais precisa. Mês após mês, as famílias referenciadas têm a conta totalmente paga. "Após a comparticipação do Estado, fazemos a restante comparticipação. As pessoas carenciadas quando vão buscar os seus medicamentos têm acesso a esses medicamentos de forma gratuita", explica Maria João Toscano. O processo é simples, e concretiza-se através de um cartão que cada membro de um agregado familiar referenciado tem à sua disposição para apresentar na farmácia.
Associação quer ultrapassar os 19 mil euros em donativos
A iniciativa, apelidada de "Dê Troco a Quem Precisa", está até hoje em 600 farmácias de todo o país, que fazem parte do programa Abem: Rede Solidária do Medicamento. A meta da Associação Dignitude já está definida. "Quando pedimos o troco, não quer dizer que seja o troco na íntegra. As pessoas podem doar aquilo que pretenderem, sendo certo que poucos cêntimos fazem muito no final da campanha. Gostaríamos de chegar ao final desta campanha angariando mais do que angariámos na anterior, cerca de 19 mil euros", admite a responsável da organização.
Só em Rio de Mouro, a ajuda do programa Abem chega a 33 famílias - por todo o país já foram apoiadas mais de 30 mil. O assistente social do Centro Paroquial lembra que não são só os mais velhos quem precisa de ajuda para pagar a medicação. "Também temos pessoas mais novas, com doenças crónicas, que precisam de uma determinada medicação regular. Sem esta ajuda, seria impossível para muitos manter essa regularidade", afirma André Gamito.
Maria João Toscano sublinha que a aposta nesta iniciativa solidária poderia ter reflexos positivos a longo prazo no Serviço Nacional de Saúde (SNS). Uma avaliação de impacto recente, feita pela associação para medir o impacto deste projeto, chegou à conclusão de que "por cada um milhão de euros que fossem investidos no programa Abem, teríamos um retorno de poupança expectável no SNS de cerca de quatro milhões de euros. Porque estas pessoas quando têm a sua doença controlada não vão impactar as urgências hospitalares e não vão ser internadas por verem a sua condição de doença agravada".
A Associação Dignitude sublinha ainda os dados de um estudo recente, com o cunho da Universidade Nova de Lisboa, que mostra que cerca de 50% das famílias desfavorecidas admitem não ter adquirido todos os medicamentos. São casos que deixam à vista o exemplo de muitas famílias que têm despesas demasiado altas. "A vida está muito complicada. Está tudo caro. Sem a ajuda do cartão, não sei como ia fazer", suspira Tânia. Com esta ajuda, pelo menos no que toca à fatura da farmácia, há um respirar de alívio lá em casa.