"Em defesa do ensino público." Segundo período letivo arranca com greves de professores
Além das paralisações convocadas por três sindicatos, para esta terça-feira está também agendada uma concentração em frente ao Ministério da Educação.
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O segundo período do ano letivo arranca esta terça-feira, mas muitos alunos poderão não regressar ainda às aulas devido à realização de greves de professores, que se prolongam durante todo o mês de janeiro.
Na E.B Pedro de Santarém, em Benfica, a greve já provocou alguns furos. À entrada desta escola, os professores envergam cartazes com mensagens onde se pode ler, por exemplo, "em defesa do ensino público". Catarina Santos é professora há quase 20 anos e, em declarações à TSF, afirma que está em greve por essa mesma razão: "Estou em greve porque estou em defesa do ensino público, que tem sofrido bastante nas últimas décadas."
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"A cada ano a situação tem vindo a agravar-se. Com quase 20 anos de ensino ainda não ingressei na carreira, nem sei se isso irá acontecer", lamenta.
Ao Ministério da Educação, os docentes exigem "respeito". "A sociedade não vive sem escola, o respeito é a principal base que tem faltado desde sempre", refere Catarina Santos. "Havendo respeito pela nossa classe, já seria um bom princípio."
Entre as reivindicações dos professores estão "um salário digno bem como condições de trabalho dignas e turmas com um número menor de alunos".
"Não sou de Lisboa, estou cá a dar aulas, estou deslocada. Os professores também têm famílias, e as famílias também sofrem", sublinha, acrescentando que os alunos "são a melhor parte deste processo". "São eles que nos dão força e nos fazem acreditar que vale a pena mantermo-nos no ensino. É o que nos dá mais força nesta luta."
Quem também aproveitou o regresso às aulas para fazer greve junto à Escola Básica Pedro Santarém, em Lisboa, foi a professora Manuela Gil. Com quase 40 anos de ensino, a docente diz que falta quase tudo na escola pública, a começar pelo respeito.
"O retrato da escola pública hoje é muito mau. Falta voltarmos a ter o respeito que tínhamos de todos, falta termos condições de trabalho, horários dignos, alunos interessados, que nos contem todo o tempo de serviço que trabalhámos no efetivo, faltam vencimentos dignos porque estamos mais próximos do ordenado mínimo e, sobretudo, falta que nos respeitem", afirmou à TSF Manuela Gil.
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Filha e neta de professores, Manuela Gil recorda que, quando começou a carreira, tudo era muito diferente.
"Podia até não ter muito boas condições, também tínhamos de nos deslocar, trabalhar fora do horário da escola, tudo isso, mas fazíamos com gosto e com vontade. Passávamos horas na escola a fazer atividades com os alunos, inclusivamente à noite para organizar festas. Agora somos uma máquina. Entramos e não vemos ninguém, vamos para a sala despejar aquilo que temos a despejar porque estamos exaustos e sem estímulo para fazer o que quer que for", recorda a professora.
Perante este cenário, pede ao ministro da Educação, João Costa, que venha para a escola, durante um mês, tudo aquilo que o ministério exige aos professores.
"Talvez assim consigam perceber qual é o nosso sentimento, a nossa vontade e o que custa estar aqui hoje", acrescentou.
No dia em que milhares de alunos deveriam regressar às aulas após a interrupção letiva do Natal, os professores voltam a estar em greve, com paralisações convocadas por três sindicatos.
O Sindicato de Todos os Profissionais de Educação (STOP) vai retomar a greve por tempo indeterminado que decorre desde 9 de dezembro e levou ao encerramento pontual de várias escolas nos últimos dias do primeiro período.
O sindicato entregou pré-avisos de greve até ao final do mês de janeiro, que alargou também aos trabalhadores não docentes.
A paralisação foi convocada em protesto contra as propostas do Governo para a revisão do regime de recrutamento, atualmente em negociação com os sindicatos, e para exigir respostas da tutela a um conjunto de outros problemas relacionados com a carreira docente e condições de trabalho.
Em declarações à TSF, André Pestana, presidente do STOP, revela que, a partir desta quarta-feira, o pessoal não docente vai juntar-se à greve, e sublinha que vão manter-se as concentrações à frente das escolas para darem a conhecer as reivindicações.
"A partir de dia 3 de janeiro, a greve do pessoal docente vai continuar, ou seja, a greve que tem ocorrido desde 9 de dezembro, com concentrações à frente das escolas, com distribuição de comunicados a explicar as nossas razões aos encarregados de educação. Também teremos no dia 7, que é um sábado, uma concentração de protesto nas capitais de distrito, onde convidaremos toda a sociedade a estar presente, os pais, os alunos, todas as pessoas solidárias, o pessoal não docente que também vive a degradação da escola pública de uma forma igualmente intensa. A greve dos professores inicia-se dia no 3 de janeiro e a partir de dia 4 vai juntar-se a este grande movimento a greve do pessoal não docente", explica.
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André Pestana revela todas as razões para que a paralisação se mantenha durante este mês de janeiro: "Esta luta tem todas as razões para juntar todos os profissionais de educação, porque há muitas questões que dizem respeito a todos eles: o aumento salarial que compense a inflação, a exigência de uma avaliação e progressão sem cortes, a defesa de uma gestão escolar democrática e o direito à caixa geral de aposentações para todos."
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Ainda assim, o líder do STOP garante que há abertura do sindicato para negociar uma solução com o governo.
"Nós queremos fazer parte da solução, não do problema, e, por isso, estamos totalmente disponíveis para negociar. Uma coisa é certa: o que queremos é uma negociação séria, não queremos simulacros de negociação, que é o que tem ocorrido nos últimos anos", refere.
"São anos e anos de simulacros de negociação em que o Ministério convoca reuniões, mas depois, na prática, não há qualquer real negociação, ou seja, os temas das reuniões são escolhidos unilateralmente apenas pelo Ministério da Educação", reforça.
No entanto, André Pestana afirma que os professores é que vão decidir uma eventual suspensão da greve, uma vez que o sindicato "nunca assinará nenhum acordo ou memorando com o Governo sem antes auscultar democraticamente a classe".
A Federação Nacional dos Professores (Fenprof), uma das principais organizações sindicais do setor, também decidiu retomar as greves ao sobretrabalho e às horas extraordinárias, que tinham sido iniciadas em 24 de outubro.
O Sindicato Independente dos Professores e Educadores (SIPE) convocou uma greve parcial, igualmente em protesto contra algumas propostas de alteração ao regime de recrutamento. Neste caso, a paralisação é apenas ao primeiro tempo de aulas de cada docente, o que significa que os professores poderão estar em greve em diferentes momentos do dia.
Para esta terça-feira está também agendada uma concentração, organizada pela Fenprof, em frente ao Ministério da Educação, para a entrega de um abaixo-assinado, subscrito por cerca de 43 mil professores, contra a possibilidade de diretores ou entidades locais contratarem docentes.
Trata-se do principal motivo de contestação dos professores quanto à revisão do regime de recrutamento, que começou a ser negociado em setembro entre o Ministério da Educação e as organizações sindicais.
Na última reunião negocial, no início de novembro, o ministro João Costa apresentou algumas propostas gerais que previam, por exemplo, a transformação dos atuais 10 quadros de zona pedagógica em mapas docentes interconcelhios, alinhados com as 23 comunidades intermunicipais, bem como a criação de conselhos locais de diretores que decidiriam sobre a alocação às escolas dos professores integrados em cada mapa.
Os sindicatos rejeitaram essa possibilidade, justificando que representa um passo na municipalização da contratação de professores, e exigiram que a graduação profissional continue a ser o único critério dos concursos.
O processo negocial deverá ser retomado nas próximas semanas, não estando agendada ainda nova reunião. Entretanto, além das greves que arrancam hoje, os sindicatos têm previstas outras ações de luta.
O STOP vai organizar no dia 14 de janeiro em Lisboa uma marcha pela escola pública e antes disso a Fenprof vai promover um acampamento junto ao Ministério da Educação entre os dias 10 e 13 se, até lá, o ministro não recuar nas propostas de alteração aos concursos e aceitar abrir processos negociais sobre outros temas.
Em articulação com outros sete sindicatos, a Fenprof convocou também uma greve por distritos, durante 18 dias entre 16 de janeiro e 8 de fevereiro. No dia 11 de fevereiro, realiza-se uma manifestação nacional organizada pelas oito organizações.
* Notícia atualizada às 11h09