Há 30 anos os esforços de um cientista inglês para simplificar as suas tarefas deram origem à internet tal como a conhecemos. Alguns anos depois, o www chegava a Portugal.
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12 de março de 1989. Nove dias antes, Portugal sagrava-se Campeão do Mundo de Futebol de Juniores em Riade, em Berlim o Muro ainda não tinha caído, e em Genebra o cientista britânico Tim Berners-Lee concluía um relatório que propunha melhorar a gestão da informação no Centro Europeu de Física de Partículas (CERN).
Esse documento, de 20 páginas, com o humilde título "Gestão da Informação: Uma Proposta", continha as ideias que um ano depois levaram à criação da Web.
Há algum tempo que este britânico, de 34 anos, procurava uma forma de tornar o seu trabalho mais simples. Berners-Lee era responsável por dar apoio aos milhares de cientistas que visitavam o CERN e cujos computadores não comunicavam entre si.
Como explicou mais tarde, "uma das coisas que os computadores não faziam era estabelecer associações entre coisas díspares, algo que a mente humana faz. Nos anos 80 utilizei alguns programas para armazenar informação com links aleatórios." O primeiro desenvolvimento foi, por isso, uma aplicação que permitia a interligação entre todas as investigações e computadores que trabalhavam no Centro.
Nesta altura a internet já existia, mas ainda longe daquilo que hoje conhecemos. Era "um conjunto de cabos e um protocolo para enviar informação através desses cabos. A Web seria uma aplicação que funcionaria na internet. O que aconteceu foi que se tornou na aplicação principal", explica Mark Mischetti, editor da revista Scientific American. Berners-Lee conseguiu unir um conjunto de tecnologias já existentes, como a Internet, o Hipertexto, TCP, FTP e DNS.
O britânico descreve ambos (Internet e Web) como" milhões de elementos ligados entre si. Mas, se na Internet os computadores estão ligados por cabos e outros meios físicos, a Web é bem mais abstrata: é uma teia de informação em que as ligações são links de hiperligação."
A 25 de dezembro de 1990, o projeto ganhava forma e Tim Berners-Lee utilizou o primeiro navegador para aceder à primeira página web, instalada no primeiro servidor. A invenção funcionava e Tim passou os anos seguintes a difundi-la. Tinha início aquele que é "o maior repositório de informação e conhecimento que o mundo conheceu", como o descreveu o criador.
A estreia da internet em Portugal
Segundo dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística, em 2018, 79% das famílias tinham acesso online em casa. Mas nem sempre foi assim. A Web chegou a Portugal em abril de 1994. No seminário "Portugal na Internet" foi mostrada, pela primeira vez, a internet em ação.
"A internet já era utilizada pelos meios académicos desde 1984, os investigadores universitários da área das redes acompanhavam o que se fazia a nível internacional e estavam atentos a tudo e, naturalmente, o trabalho da equipa do Tim-Berners Lee era um dos focos da atenção. Assim, desde muito cedo se começaram a instalar em várias universidades e centros de investigação servidores WWW e os primeiros browsers", lembra à TSF Pedro Veiga, Professor da Departamento de Informática da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e um dos pioneiros da internet em Portugal.
O académico identifica dois momentos marcantes no desenvolvimento da Web portuguesa: "a criação do Serviço de APontadores Portugueses, iniciado na Universidade de Aveiro e conhecido pelas iniciais SAPO, e o lançamento da edição diária na internet do jornal Público, o primeiro jornal a ter a edição integral na www" Ambos tiveram lugar em 1995.
Dois anos depois, só 6,7% dos portugueses tinham acesso à rede digital. O salário mínimo era de 56.700 escudos (pouco mais de 250 euros), mas aceder à net poderia facilmente custar metade deste valor.
No mesmo ano, Mariano Gago, então ministro da Ciência e Tecnologia e antigo investigador do CERN, impulsionou o lançamento do "Livro Verde Para a Sociedade da Informação em Portugal." O documento traçou as linhas mestras do desenvolvimento da internet em Portugal. Pedro Veiga fez parte da equipa que redigiu o documento e não tem dúvidas de que foi um embrião para décadas de mudança. "Basta ler o índice do livro para identificar as áreas de intervenção que foram identificadas como prioritárias. Saliento só o nome de um dos capítulos, 'O Estado Aberto', onde já se tinha uma visão para o papel crucial que a internet e as tecnologias Web viriam a ter na disponibilização de serviços públicos em linha, o e-Government", lembra. Uma estratégia que iria levar mais tarde à criação do Portal do Cidadão.
A internet chegou às escolas portuguesas no início do ano letivo de 1997/98, num programa massificado.
Dos primórdios da internet em Portugal, poucos são os sites que se mantêm ativos. Alguns desapareceram sem deixar rasto, como é o caso do Diário Digital, o primeiro jornal online português, ou do site da Expo98. Para evitar a perda deste passado recente, foi criado o site arquivo.pt que já conta com cinco milhões de páginas arquivadas. O site funciona como um motor de busca do passado da internet.
Se no início da Web chegou a ser publicada num jornal português uma lista com todos os endereços de internet (uma espécie de lista telefónica), hoje há quase dois mil milhões de sites ativos. De acordo com o wearesocial.com, há em Portugal cerca de oito milhões de utilizadores de internet que passam, em média, mais de seis horas e meia por dia ligados, sobretudo através de dispositivos móveis.
E como prova desta popularidade ou dependência, 'Facebook' foi em 2018 a palavra mais pesquisada pelos portugueses. É também a rede social com mais utilizadores, mais de seis milhões têm conta ativa em Portugal.
Mas é também das redes sociais que parecem surgir as maiores ameaças ao futuro da internet. No congresso de 1994 "Portugal e a Internet", Carlos Morais, então líder da FCCN, alertava para os perigos de um mundo em que a dificuldade de acesso poderia fazer aumentar a diferença de oportunidades sociais e políticas, e avisava que o "computador, o modem e o telefone podem tornar-se um poderoso microfone" ao serviço da perda de privacidade. Este aviso, premonitório, foi feito há 25 anos.
O aumento do fosso entre os que têm acesso à Web e os que estão exclluídos, foi sempre uma das preocupações do britânico Tim Berners-Lee: "Estar 'offline' hoje é estar excluído das oportunidades de aprender e ganhar, de ter acesso a serviços importantes e de participar no debate democrático. Se não investimos seriamente na redução deste fosso, os últimos mil milhões [de pessoas] não estarão ligados antes de 2042. É uma geração inteira deixada para trás." Estas palavras são de 2017. O criador da Web tem-se batido, através do programa "Aliance for Affordable Internet", por uma Web a "preços justos e competitivos" como forma de combate à desigualdade e exclusão social.
"Contra tudo o que é falso"
Tim Berners-Lee tem-se debruçado sobre "fake news, problemas de privacidade, abusos de dados pessoais. Há pessoas a ser esmiuçadas ao ponto de poderem ser manipuladas por anúncios astutos. Anúncios esses que as podem levar até sites com comunidades falsas, pessoas falsas, que têm ideias falsas e que espalham uma falsa verdade."
Para inverter estas tendências, o britânico apresentou na última edição da Web Summit, uma proposta de "contrato" ou Constituição para a internet. Com o nome "For the Web", a proposta procura criar valores de equidade e de segurança para os utilizadores.
Na sua intervenção em Lisboa, Berners-Lee afirmou que "precisamos ter a certeza de que as pessoas que estão ligadas à 'web' podem criar o mundo que desejam e usá-lo para corrigir os problemas que existem", deixando o desejo de que a internet seja "mais pacífica e mais construtiva".
Em declarações à TSF, Pedro Veiga também destacou alguns dos riscos que a internet corre: "A tentativa de controlo da internet por um número pequeno de grandes multinacionais e a partição da internet em várias redes separadas. Deixaremos de ter uma única internet. Na realidade isso já acontece em vários países onde é feita uma filtragem de conteúdos que limita as possibilidades dos cidadãos terem acesso à internet mundial."
Em 1993, Tim Berners-Lee defendeu a abertura do código fonte por forma a manter a Web neutra. Essa preocupação mantém-se atual, já que "precisamos de mais transparência algorítmica para entender como decisões importantes que afetam as nossas vidas estão a ser feitas, e talvez um conjunto de princípios comuns a serem seguidos". Para isso, o fundador da Web tem desenvolvido ao longo dos últimos anos um novo projeto, o Solid, que procura descentralizá-la e devolver aos utilizadores o controlo dos seus dados.
Para Tim Berner-Lee, nomeado pela revista Times uma das personalidades mais influentes do século XX, é difícil prever qual será o futuro da Web, mas assegura que "ainda só estamos a raspar a superfície de todo o seu potencial."
Pedro Veiga concorda: "É verdade, é cada vez mais verdade. Uma rede de muito alta velocidade como é a internet atual, com capacidade de conetividade global, permite evoluções tecnológicas fantásticas" e até novas oportunidades. "Podemos fazer uma gestão mais eficaz do nosso quotidiano e da nossa vida. E é uma oportunidade enorme para setores que poucos ainda imaginam, como, por exemplo, na agricultura de precisão."
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