A "reforma do patronato revanchista da geringonça" empurrou trabalhadores para greve geral

Pedro Correia (arquivo)
Entre as alterações previstas estão a extensão da duração dos contratos a prazo, o regresso do banco de horas individual, o fim do travão à contratação externa após despedimentos, a revisão das licenças parentais e o reforço dos serviços mínimos obrigatórios em caso de greve
Corpo do artigo
As propostas de alterações apresentadas pelo Governo não dizem respeito a uma reforma laboral, mas antes a uma "reforma do patronato mais revanchista com os tempos da geringonça". Num modelo em que se "pede tudo, mas não se dá nada", trabalhadores e centrais sindicais viram-se "empurradas" para a greve geral.
No Fórum TSF desta quarta-feira, o coordenador do Observatório do Emprego Jovem, Paulo Marques, aponta que o Executivo liderado por Luís Montenegro tem de "decidir" se quer levar a cabo uma "reforma unilateral com os empregadores", que querem "aumentar o seu poder negocial e forçar os trabalhadores a aceitar bancos de horas individuais e condições precárias no mercado de trabalho".
"Essa é uma reforma claramente do patronato mais revanchista com os tempos da geringonça - isto tem de ser dito - e que quer um modelo de crescimento económico no país, assente em baixos salários, em flexibilidade, em conter o poder negocial do trabalho", denuncia.
O também professor de economia no ISCTE considera ainda "curioso" que o Estado queira a apostar numa economia baseada nos baixos salários, "que depende dos imigrantes", ao mesmo tempo que afirma querer controlar a imigração.
As medidas propostas, diz, atiram os jovens para uma "situação de maior vulnerabilidade". Além de não lidar com os "desafios do futuro", esta é sobretudo "uma reforma do passado".
"A dinâmica dos salários tende a arrefecer - excetuando os salários muito baixos -, com o aumento que está anunciado do salário mínimo e que nos empurra novamente para setores de baixo valor acrescentado", adensa.
Já o antigo ministro da Economia Manuel Caldeira Cabral sublinha que, com as leis atuais em vigor, o "desemprego está bastante baixo", tendo sido acompanhado por um crescimento em do emprego "níveis recordes". E é com este argumento que justifica a crença de que este pacote laboral não é uma prioridade para o país.
"E eu lembro que, quando se aumentou o salário mínimo em 2017, vieram pessoas dizer que, aumentando o salário mínimo e com estas leis laborais, o desemprego não ia baixar, as exportações iam-se ressentir e não iam crescer. E o que tivemos foi um crescimento recorde das exportações, uma diminuição do desemprego mais rápida e até níveis mais baixos do que todas as instituições internacionais previam com esta lei laboral, com o salário mínimo a aumentar. E, portanto, eu acho que se está a falar de um mercado de trabalho que não deve ser o nosso", atira.
O contexto agrava-se, contudo, quando estas reformas são feitas sem "qualquer negociação". O professor da Universidade do Minho esclarece com isto que, apesar de ter havido encontros entre a ministra do Trabalho e as centrais sindicais, a tentação de "pedir tudo e não se dar nada" acaba por minar qualquer tentativa de acordo, "empurrando", assim, os trabalhadores para a greve geral.
"Quando se pede tudo e não se dá nada, nem me parece que isso seja uma negociação. E, nesse aspeto, de facto, vai-se para uma medida que não é desejável - que é a greve geral. Mas, neste momento, os trabalhadores e as centrais sindicais foram empurradas para essa situação", defende.
A professora da faculdade de economia da Universidade Nova ressalva também que o novo pacote proposto em nada tem que ver com o combate à rigidez laboral. Começa, por isso, por sublinhar a importância de as empresas terem liberdade para "ajustarem" o número de recursos humanos em "períodos de contração da procura".
"Não é possível exigir às empresas que mantenham o mesmo nível de atividade, funcionários e salários, quando, por exemplo, estão a ter problemas no mercado", entende.
Nota, contudo, que isto é bem diferente de permitir às empresas "porem e disporem" na vida pessoal dos trabalhadores, nomeadamente com a questão do banco de horas individual. É igualmente essencial garantir que a lei estabeleça "mínimos para dar poder negocial e legal" a pessoas que se encontrem em "situações mais fragilizadas", para "prevalecer um módico de qualidade de vida e dignidade".
O anteprojeto do Governo para revisão da legislação laboral, que está a ser debatido com os parceiros sociais, prevê a revisão de "mais de uma centena" de artigos do Código de Trabalho.
Entre as alterações previstas estão a extensão da duração dos contratos a prazo, o regresso do banco de horas individual, o fim do travão à contratação externa após despedimentos, a revisão das licenças parentais e o reforço dos serviços mínimos obrigatórios em caso de greve.
As alterações previstas na proposta - designada "Trabalho XXI" e que o Governo apresentou em 24 de julho como uma revisão "profunda" da legislação laboral - visam desde a área da parentalidade (com alterações nas licenças parentais, amamentação e luto gestacional) ao trabalho flexível, formação nas empresas ou período experimental dos contratos de trabalho, prevendo ainda um alargamento dos setores que passam a estar abrangidos por serviços mínimos em caso de greve.
