Conselheira das Comunidades Portuguesas denuncia racismo estrutural na polícia francesa
Luísa Semedo, professora, conta que, de entre os seus alunos, todos os "negros ou árabes já foram controlados pela polícia". Já os "alunos brancos dizem sempre que o único momento em que são controlados pela polícia é quando estão com os amigos negros e árabes".
Corpo do artigo
Com França a ser palco de fortes protestos e confrontos entre populares e autoridades em França depois da morte a tiro de um adolescente de 17 anos às mãos da polícia, a professora e conselheira das Comunidade Portuguesas no país, Luísa Semedo, denuncia a existência de racismo estrutural naquela força de autoridade.
Em declarações à TSF, explica que ao longo dos últimos meses - "talvez mesmo anos" - tem vindo a viver-se um ambiente "elétrico" em França "e que contribui também para o que está a acontecer".
TSF\audio\2023\06\noticias\29\luisa_semedo_1_caos_social
O caso de Nahel - identificado apenas pelo primeiro nome - durante uma operação de trânsito esta terça-feira foi captado em vídeo e gerou ondas de choque por todo o país, em especial em zonas habitacionais e bairros desfavorecidos.
"Não é um caso isolado, já há vários casos deste estilo, de jovens que são mortos pela polícia, e isso faz eco. Estas histórias que de vez em quando vão aparecendo, que os jovens conhecem e que é mais uma", explica Luísa Semedo, ajudam a criar "tensão por todo o lado, por todos os bairros".
"Todos os meus alunos negros ou árabes já foram controlados pela polícia"
A vida dos jovens nos subúrbios mais pobres é assinalada por esta professora portuguesa como especialmente desafiante, com jovens a serem "bastante discriminados" em função da etnia: "Eu dou aulas nessas zonas e, portanto, sei como é que as coisas funcionam. Para dar só assim um exemplo: todos os meus alunos negros ou árabes já foram controlados pela polícia, enquanto os meus alunos brancos dizem sempre que o único momento em que são controlados pela polícia é quando estão com os amigos negros e árabes."
TSF\audio\2023\06\noticias\29\luisa_semedo_2_discriminacao_policia
Assim, casos como os da última terça-feira são utilizados pelos jovens - que o encaram como de "muito injustiça" - para "falar da raiva que têm em relação a tudo isto".
Agente está em prisão preventiva
Luísa Semedo nota também desde já uma aparente mudança na reação política a este caso, com os protagonistas a assinalarem que "a culpa era da polícia".
O agente responsável pela morte foi indiciado de homicídio com dolo e "colocado em prisão preventiva", anunciou o Ministério Público (MP) francês. O procurador de Nanterre Pascal Prache disse que a sua investigação inicial levou-o a concluir que "as condições para o uso legal da arma não foram respeitadas".
TSF\audio\2023\06\noticias\29\luisa_semedo_3_solucoes
De acordo com a lei francesa, as acusações preliminares significam que os juízes de investigação têm fortes motivos para suspeitar de irregularidades, mas dão tempo para uma investigação mais aprofundada antes que seja tomada uma decisão sobre o envio do caso para julgamento.
Ainda assim, estas primeiras diferenças no tratamento do caso não são suficientes para a conselheira, que aponta que, como estas são questões "estruturais, precisam mesmo de mudar de maneira profunda".
São necessárias alterações, defende, na "política da cidade e dos bairros mais pobres", mas também "em relação à juventude", que se depara com medidas "muitos escassas".
A viver na "periferia" de Paris e num bairro com "mistura de classes sociais", Luísa Semedo diz reparar, "por exemplo, que em todos os equipamentos que são feitos para os jovens a nível artístico, ou de música, acabam sempre por ser os jovens que têm maior capital económico ou cultural que vão usufruir desses".
Assim, os "jovens que são mais pobres ficam sempre noutra parte da cidade, noutros bairros, sozinhos, não têm verdadeiro acompanhamento e não são enquadrados".
A solução deve passar por "ou ir buscá-los, ou trazer para os próprios bairros algo que eles possam fazer, a nível não somente artístico e educacional, mas também a nível do trabalho ou outras coisas", com o objetivo de evitar que fiquem "ao deus-dará nestes bairros que são bastante pobres".
O Governo francês prometeu restaurar a ordem esta quinta-feira após duas noites de violência urbana, anunciando que enviaria dezenas de milhares de polícias e reprimiria os bairros onde edifícios e veículos foram incendiados.
Em resposta, a cidade de Clamart, na região de Paris, com 54 mil habitantes, anunciou em comunicado um recolher obrigatório durante a noite entre as 21h00 e as 06h00 locais (20h00 e 05h00 em Lisboa), que se alargará até ao fim de semana.
A autarquia apontou "o risco de novas perturbações da ordem pública" para justificar esta decisão, após duas noites de agitação urbana. "Clamart é uma cidade segura e calma, estamos determinados a que continue assim", refere o comunicado.
Vários membros do executivo deslocaram-se para áreas atingidas pelo súbito início de tumultos, pedindo calma, mas também alertando que a violência que feriu dezenas de polícias e danificou quase 100 prédios públicos não poderia continuar.
Depois de uma reunião de crise, o ministro do Interior, Gerald Darmanin, disse que o número de polícias mobilizados mais do que quadruplicaria, de nove mil para 40 mil. Só na região de Paris, o número de agentes destacados mais do que duplicaria para cinco mil.
O Presidente francês, Emmanuel Macron, considerou hoje, por sua vez, injustificáveis as "cenas de violência" contra as "instituições da República".