A "lei clarinha" e uma "questão inquietante": como uma ex-ministra da Justiça vê o caso Galamba
Em declarações à TSF, Paula Teixeira da Cruz lamenta a "disfuncionalidade global e total" no Governo e pergunta "para que outras situações estará a ser contactado o SIS".
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"A lei é clarinha" e diz que o Serviço de Informações de Segurança (SIS) do Estado não podia agir sobre o "furto ou roubo" de computadores. O aviso é da antiga ministra da Justiça Paula Teixeira da Cruz, que integrou o Governo de Passos Coelho, e levanta na TSF várias questões, incluindo a "instrumentalização" do SIS no caso que envolve o ex-adjunto Frederico Pinheiro e do ministro das Infraestruturas João Galamba.
"Estamos a falar de serviços de informações, de tratamento e processamento de informações. Se olharmos para o Artigo 4.º dessa referida Lei 4 - espero não me estar a enganar porque estou a citar de memória -, estão expressamente excluídos determinado tipo de atos", introduz Teixeira da Cruz, e "entre esses estão excluídos atos relacionados com processos penais".
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No caso do ministério das Infraestruturas, em que estaria em causa "um furto ou um roubo" de um computador com documentos classificados por parte de Frederico Pinheiro, "naturalmente isso está excluído da capacidade de intervenção do SIS".
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"É tão simples quanto isto, penso que não merece sequer discussão. A lei é clarinha nessa matéria", insiste a antiga responsável pela Justiça entre 2011 e 2015. Além disto, assinala, o próprio SIS - que está sob a alçada do primeiro-ministro -, saberia que a retirada do computador pelo ex-adjunto seria uma questão para a Polícia de Segurança Pública ou para a Polícia Judiciária.
Temos de manter alguma serenidade, porque isto é a disfuncionalidade global e total.
"Então além dessa ilegitimidade, o próprio SIS não saberia que não poderia intervir? Claro que saberia, não tem essas competências, isso é clarinho face ao Artigo 4.º da lei, está excetuado", nota, considerando "absolutamente impensável" todo o episódio. Paula Teixeira da Cruz apela até a "alguma serenidade" perante o que diz ser a "disfuncionalidade global e total".
Uma "questão inquietante"
Esta "disfuncionalidade dentro do Governo", explica "não arrasta só o ministro das Infraestruturas, porque ele próprio referiu publicamente com quem é que se teria aconselhado", mas também "outros membros do Governo que não podiam deixar de saber, em função das suas responsabilidades, que uma tal intervenção não era possível nem legal".
É nesta linha que surge o "grande receio" da antiga ministra, que questiona "até que ponto este tipo de instituições estão a ser utilizadas? Ou seja: se isto é considerado normal, contactar o SIS para este tipo de situações, então para que outras situações estará a ser contactado o SIS? É uma questão inquietante".
Se este não tiver sido "apenas um episódio disfuncional", alerta, o caso é "muito, muito grave porque temos aí a instrumentalização dos serviços".
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No rol de questões de Teixeira da Cruz está também o material que poderia, de facto, levar a uma intervenção do SIS, dado que teria de colocar em causa "a segurança interna ou externa" do país.
"Como é que um adjunto teria acesso a segredos de Estado que pusessem em causa a segurança interna ou externa? Isto faz algum sentido? Não faz, mas temos de tirar algumas lições daqui", avisa.
Dessas lições, a primeira é "respeitar as instituições, dignificar as instituições e não utilizar as instituições para fins outros que não sejam aqueles que a lei estabelece", até porque, atira, tal "começa a parecer, de alguma forma, uma prática regular deste Governo".
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O Conselho de Fiscalização do SIRP esclareceu esta terça-feira que, por sua própria iniciativa, pediu informações sobre a intervenção do SIS no caso da recuperação do computador atribuído a um ex-adjunto governamental com informação classificada.
Numa nota hoje divulgada, o Conselho de Fiscalização do SIRP esclarece que, na sequência das notícias vindas a público no passado dia 18, relativas ao envolvimento do SIS na recuperação de um computador portátil do Estado, "de imediato e por sua própria iniciativa, diligenciou no sentido da obtenção da informação necessária ao cumprimento da sua missão de fiscalização".
O portátil em causa esteve atribuído a Frederico Pinheiro, ex-adjunto do ministro João Galamba, que foi demitido na sequência da polémica sobre a entrega de documentos à comissão parlamentar de inquérito sobre a TAP.