"Dinheiro a mais para uma pedra e uma pinga de água." O memorial às vítimas dos incêndios visto por quem o visita
O Governo vai, esta terça-feira, a Pedrógão Grande, para uma cerimónia oficial, no memorial em honra das vítimas dos incêndios de 2017. Na véspera, antes do protocolo e do aparato, são poucos os visitantes à vista - e os que aparecem não ficam impressionados.
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Não se vê vivalma. E também nada se ouve. O único som que por aqui se escuta é o da água que cai da gárgula de 60 metros, projetada pelo arquiteto Souto Mora, e que forma um lago, povoado por nenúfares. Um lago plantado à beira da Estrada Nacional 236. Aquela de que todos conhecem de nome, pelos piores motivos.
Passa um carro. E outro. E outro. Dezenas deles. É então que se avista alguém. São dois funcionários da Infraestruturas de Portugal, que vêm garantir que está tudo a funcionar com a parte mecânica da gárgula, antes da cerimónia oficial com a presença do Governo - duas semanas após a inauguração do monumento, a 15 de junho, e depois de muitas críticas se terem levantado pela ausência de figuras do Estado na ocasião.
Os carros continuam a passar. E a passar. Até que há um que para.
"Andamos a passear", explica o condutor, Raul Cancelo, ao lado da companheira Maria. "Aproveitámos o dia em que estamos de folga e viemos ver aqui o memorial."
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Raul e Maria não são daqui da terra. Não são familiares, nem amigos, das vítimas. Estão só de passagem, o destino final do passeio é Castanheira de Pêra. Mas detêm-se junto à pedra, com meia dúzia de coroas e ramos de flores, onde se leem os nomes das 115 vítimas dos incêndios que arrasaram esta região em 2017.
"Acho que é dinheiro a mais para um bocado de pedra e uma pinga de água", atira Raul, avaliando o memorial. "Há tanta gente com falta e alguns até, se calhar, ficaram sem nada, com os incêndios, e não receberam nada."
Se Raul não está convencido com os 1,8 milhões de euros empregues na obra de Souto Moura, Maria tem até outras ideias do que se podia ter feito. "Podiam, ao menos, ter deixado ali as coisas preparadas para os helicópteros aproveitarem essa água para os incêndios", sugere. "Tantos milhões aí enterrados e não tiveram esse cuidado. Era um bocadinho mais fundo e servia para os helicópteros se abastecerem. Aí, sim, tinham feito alguma coisa que se apresentasse. Agora, assim, não. Foi mal pensado."
Pouco convictos da grandiosidade da obra, regressam, os dois, ao carro. E seguem viagem na Estrada Nacional 236. Onde os carros continuam a passar. E a passar.