"É um erro." Bagão Félix diz que argumento para mudar certificados de aforro "não colhe"

Reinaldo Rodrigues/Global Imagens (arquivo)
Antigo responsável pelas Finanças no Governo liderado por Santana Lopes sugere uma redução no IRS sobre os juros dos certificados de aforro e deixa também críticas à banca, que no passado contou com os contribuintes para enfrentar crises financeiras.
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O antigo ministro das Finanças António Bagão Félix defende que o Governo errou ao acabar com a Série E dos certificados de aforro, que contavam com uma taxa de 3,5%, e aponta que o argumento apresentado pelo executivo, de que está a gerir a dívida pública, não faz sentido.
Em declarações à TSF, Bagão Félix assinalou que, apesar de a taxa de remuneração da série suspensa ser de 3,5%, "em termos líquidos dava 2,52% para o aforrador, mesmo assim longe da taxa de inflação, portanto não estamos a falar de nenhuma taxa especial".
Apesar de reconhecer que a taxa de 3,5% "é elevada", o antigo responsável pelas Finanças nota que "nas últimas emissões e nos últimos leilões do Estado de obrigações do Tesouro a dez e a 15 anos, a taxa andou entre 3,5 e 3,7%", pelo que "não colhe muito, do lado do Estado", o argumento da "diminuição do custo implícito da dívida dos certificados de aforro", porque em conjunto com os certificados de Tesouro "apenas constituem cerca de 14,8% do total da dívida".
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O ministro das Finanças do Governo social-democrata liderado por Santana Lopes defende que o Governo devia optar por reduzir o IRS sobre os juros dos certificados de aforro e, na TSF, faz as contas.
"A taxa liberatória que incide sobre os juros das obrigações, ou dos depósitos a prazo, ou dos certificados de aforro é de 28%, há 15 anos era de 20%. Portanto, quando dizemos, por exemplo, que o Estado agora vai oferecer uma taxa de 2,5%, nós verdadeiramente estamos a falar de uma taxa de 1,8%, porque quem é que arrecada a diferença? É o Estado, outra vez", avisa.
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Assim, "quando se diz que o valor de 3,5% - que era aquele que estava a acontecer até à semana passada - é elevado, desses 3,5% o Estado ia buscar 0,98% através de IRS. Portanto, verdadeiramente, o custo para o Estado não era de 3,5%, era de 2,52%".
O desincentivo à poupança e um reparo à banca
E porque na nova série os aforradores só podem ter até 50 mil euros em certificados - em contraste com os 250 mil da última série -, Bagão Félix vê nestes dados um sinal de desincentivo à poupança.
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"Isto está a dar um sinal de que o Estado não está interessado em ter dívida comprada pelos seus próprios cidadãos e residentes, o que é um erro porque depois há problemas de maior crise e assim estaríamos menos dependentes das oscilações do mercado", realça.
Perante estes sinais, e admitindo poder estar errado "porque isto também depende da lei da procura e da oferta", Bagão Félix antevê que com os novos valores máximos - a que se junta "alguma pressão, até institucional, desde logo do senhor Presidente da República e de outros agentes institucionais e políticos" - o sistema bancário aumente "as suas taxas de depósitos".
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"Penso mesmo que nos últimos dias já se verificou algum ligeiro aumento. Vai haver alguma convergência, creio que não haverá razões para pensar o contrário. Isso obviamente parece-me positivo, ainda que as taxas sejam baixas", lamenta, porque quem recorre aos depósitos "continua a ver, em termos reais, diminuídos os seus ativos financeiros".
O antigo ministro não esquece, no entanto, o papel dos bancos nesta questão e aponta que "durante uma série de anos, na crise financeira, na crise das dívidas soberanas, na crise bancária, os contribuintes portugueses pagaram - ou emprestaram digamos assim -, dinheiro ao sistema bancário para garantir a sua solvabilidade e ser garantia da acalmia perante a crise".
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"Excelente" para os bancos, reconhece, "mas agora os mesmos contribuintes, a maior parte deles aforradores médios, que são aqueles que compram os certificados de aforro, não estão a ter a contrapartida do lado da banca", que atualizou "imediatamente as taxas para emprestar, mas não atualizou as taxas para ficar com os recursos dos depositantes".